TODA PALAVRA
Diário do Povo, Teresina-PI, 15/01/13
Em seu livro de estreia, O Tempo Consequente, o poeta H. Dobal
traduz em verso uma aura de terra desolada, de abandono e de rusticidade que
dela emana. Um gado que sobrevive pastando poeira e um outro gado, o homem, que
triste e só campeador de lembranças, queima o céu com a cinza de suas roças. A
imagem de degradação da condição humana em tão árido ambiente conferiu ao
referido livro, editado em 1966, uma relevante projeção, sobretudo entre
leitores e teóricos conterrâneos, por conferir à poesia elaborada nestas
paragens um ingrediente paradoxalmente estranho à sua própria tradição poética:
uma realidade áspera, rústica, calcada diversas vezes na carência quase que
absoluta de condições de sobrevivência. Nesse aspecto, destoa de uma tradição
romântico-simbolista desenvolvida, por exemplo, em Lira Sertaneja, de
Hermínio Castelo Branco (1881), Zodíaco, de Da Costa e Silva (1917), e Poemas
da Terra Selvagem, de Martins Napoleão (1940), este último, pelo menos no
trabalho formal, apresentando feição modernista.
A poética de Hindemburgo Dobal Teixeira, entretanto, como afirma Kennedy
Eugênio em seu livro Os Sinais dos Tempos
(2007), é composta por um lirismo desconcertante e uma profunda consciência do
fazer poético que permeia seus versos, como se no rústico e árido se revelasse
(ou se escondesse) o sublime. Rilke, na primeira de suas Cartas a um Jovem
Poeta, menciona que “para o criador não há nenhuma pobreza e nenhum
ambiente pobre, insignificante”. E é com o compromisso de extrair lirismo deste
nosso rude ambiente, que Dobal revela-se poeta na concepção proposta por Rilke.
Provido de um lirismo crítico, O Tempo Consequente mantém-se como forte
exemplo de concisão e maestria para a poética brasileira contemporânea.
Em entrevista concedida a Halan Silva e João Kennedy Eugênio, publicada
na biografia As Formas Incompletas
(2005, p.87), o poeta H. Dobal declarou que “quem considera minha poesia
antilírica está completamente equivocado. Ela é lírica por excelência. Esse
tipo de raciocínio parte de quem confunde lirismo com sentimentalismo”. O
comentário de Dobal, publicado na biografia As formas incompletas,
poderia remeter àqueles que atribuíssem, equivocadamente, o termo “antilírica”
à poesia de Dobal a partir do poema “Antilírica”, constante em seu livro de
estreia, O Tempo Consequente, desarticulando-o assim de seu contexto
original, presente no poema homônimo. O rigor e a contenção sentimental que o
poeta desenvolveu em O Tempo Consequente contribuíram para que a ideia
de uma poesia “antilírica”, ou de um lirismo “áspero”, “agreste”, se
popularizasse, de certa forma indevidamente. O fato de Dobal dedicar-se de
maneira incisiva na construção metodicamente consciente de sua obra não
implica, necessariamente, numa poesia mecanicista, desprovida das
singularidades e subjetivismos tão inerentes ao lirismo poético. O fato é que,
mesmo correndo o risco de imprimir uma marca tão indelével à sua poesia, Dobal
manteve-se fiel às suas convicções e, como todo grande artista, desenvolveu sua
poesia sob o risco da incompreensão.
Talvez por isso, acrescentando-se o menosprezo pela “política literária”,
estajamos diante de uma obra e de um poeta que, inversamente proporcional à sua
importância e profundidade, carece de maiores análises críticas que se afastem,
além da incompreensão, do encômio infecundo e desnecessário. Ranieri Ribas, em
publicado na revista Amálgama nº 4 (2003, p. 4), observa que “o salto
qualitativo empreendido por Hindemburgo em O Tempo Consequente sucedeu
semi-incólume desde sua primeira publicação; pouco se produziu para compreender
o arcabouço poético e metodológico de sua obra. Não bastasse a escassez,
faculta-nos ainda a pobreza analítica e o elogio oco do pouco produzido,
impondo à criatividade textual do autor um certo reducionismo hermenêutico.”
Felizmente, tal lacuna começa a ser reduzida com a publicação de obras
como As Formas Incompletas, de Halan Silva (2005), Os Sinais dos Tempos, de João Kennedy Eugênio (2007), Cantiga de
Viver, seleta de ensaios e textos afins organizada pelos já referidos
Eugênio e Silva (org, 2007), bem como documentários (Douglas Machado,
Francigelda Ribeiro), dissertações de mestrado e artigos esparsos. Tais
trabalhos configuram-se como esforços variados e necessários para a divulgação
e leitura abalizada da obra poética de Dobal e, consequentemente, encontrar
novas feições que mantêm o desafio cada vez mais vivo e instigante.
Comentários