"Os que amaram antes"





TODA PALAVRA
Adriano Lobão Aragão
Diário do Povo, Teresina-PI, 25/12/12 


Os que amaram antes
[Paulo Franchetti]  

OS QUE amaram antes
e os que ainda vão amar;
os que andaram nas ruas
e os que cruzaram os campos;
aqueles que tiveram a sorte
e aqueles que apenas desejaram;
os que ouviram as palavras
e os que não as disseram;
os que já morreram
e os que estão por nascer:
com todos me irmano
neste momento, repleto
e vazio de mim mesmo.
A todos estendo o pensamento,
e em segredo convoco:
eu, que não sou nada, apenas
aquele que o amor agora habita
e agita e faz falar.

[FRANCHETTI, Paulo. Deste lugar. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2012, p 14.]



Uma das árduas tarefas para um escritor é conviver equilibradamente entre os ditames da vida acadêmica e a criação artística. Diversos poetas e escritores enfrentaram, e continuam enfrentando, esse desafio, algumas vezes com desenvoltura em apenas uma das áreas. Não me refiro aos que se debruçaram por conta própria à crítica literária, pois estes exerciam tal atividade quase como um desdobramento de seu próprio fazer artístico, sem maiores preocupações que o seu intrínseco senso crítico. Mas quando, dentro dos liames das universidades encontro exemplos de artistas que se empenham em desenvolver uma sólida carreira acadêmica, com significativa e constante publicação de textos teóricos e críticos, ao lado de uma produção poética com ênfase tanto na tradução quanto na criação original, não deixo de surpreender-me e interessar-me por seu trabalho. Paulo Franchetti é um desses poetas. Além de professor titular no Departamento de Teoria Literária da Unicamp, presidente da editora da mesma universidade, autor de, entre outros, Estudos de Literatura Brasileira e Portuguesa, Franchetti publicou os livros de poemas Oeste, Escarnho, Memória Futura, e, mais recentemente, Deste Lugar.

Há em seu livro uma forte acentuação lírico-amorosa, tornando-se sua temática predominante. Por diversos momentos, as impressões sensoriais, aliadas a um estado contemplativo do mundo, nos remete aos poemas japoneses aos quais Franchetti tanto se dedicou ao estudo e tradução, embora Deste Lugar não se proponha a simplesmente emular tal influência. O que observamos é um poeta que utiliza suas referências para desdobrá-las em seu próprio universo, mesclado-as com quantas outras lhe forem necessárias, sem jamais permear o exagero. O clima ameno do livro, pouco dado a grandes experimentalismos formais, coaduna com o tratamento lírico empreendido, como um chamado à contemplação daquilo que nos circunda, ainda que minimamente. Nesse sentido, destaco alguns versos: “Palavras / não bastam. Pudesse fazer ouvir / o ranger dos cabelos” (p.31), “Meu amor / nesta manhã / (como / uma romã) / se debulha.” (p. 34), “E fico, com um gosto amargo na boca, / olhando a água que desce do beiral.” (p. 51), “A fiação da rua / balança. A chuva / primeiro acenderá as luzes, / depois as ocultará / sob a cortina espessa.” (p. 53)  

Entretanto, se entendo Deste Lugar como um chamado, uma convocação para uma leitura contemplativa e sensorial, liricamente endereçada, apontaria então o poema “Os que amaram antes” como seu cartão de visitas, pois de sua leitura, tanto do poema quanto do livro, resta-nos ainda uma crença na palavra, no lirismo e no amor, que “agora habita / e agita e faz falar.”

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