Gisele Bündchen não faz mal à saúde

 

[por Wanderson Lima]
 
 
A Secretaria de Políticas para Mulheres do governo federal pediu ao Conar – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – a suspensão da campanha publicitária "Hope ensina", protagonizada pela modelo Gisele Bündchen (veja um dos vídeos da campanha acima). A Secretaria argumenta que "a propaganda promove o reforço do estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual de seu marido e ignora os grandes avanços que temos alcançado para desconstruir práticas e pensamentos sexistas".

Acho que a Secretaria de Políticas para Mulheres errou pelo menos três vezes em seu diagnóstico. Em primeiro lugar, pela falta de bom senso de não ver que está fazendo muito barulho por uma banalidade. Desde quando uma propaganda de lingerie pode implantar o “mal” na cabeça das pessoas? Quem é tão ingênuo para levar ao pé da letra uma propaganda? Mas, vamos lá, mesmo que alguém levasse a sério a propaganda, há um senão que a estupidez dos membros da aludida secretaria não conseguiram perceber. Eis o segundo erro: se é preciso admitir que a propaganda é nociva porque joga com o clichê da mulher-objeto, não menos urgente seria admitir que a imagem do homem ali produzida também é ultrajante. A pressuposição que ancora o comercial é que o homem é um estúpido, puramente instintivo, quase irracional: a simples visão de uma bela mulher atrofia sua capacidade racional.

Mas o terceiro erro da Secretaria torna inútil o segundo. É verdade, sim, que a propaganda de lingerie recorre ao clichê da mulher-objeto e do homem-animal-instintivo-ultra-elementar. Mas como uma propaganda teria eficácia sem recorrer aos estereótipos sociais? A publicidade é uma forma de arte menor do nosso tempo – e como forma menor de arte tem que recorrer a esquemas elementares, simplificados ao máximo para atingir uma ampla faixa de público. E quando eu digo arte menor não estou dizendo, necessariamente, arte ruim: há muitas campanhas publicitárias apoiadas em topoi elementares e, ainda assim, de uma beleza inquestionável (eis aqui um exemplo). O fato de a propaganda ser uma arte submetida a um imperativo extra-estético (vender determinado produto) nem é algo novo no Ocidente nem radicalmente reprovável. Condenar uma propaganda por se apoiar em clichês é desconhecer o que é uma propaganda e nada entender da função social dos clichês e dos estereótipos – tema que tem ocupado as reflexões da lingüista Ruth Amossy, para quem “o locutor não pode se comunicar com os seus alocutários, e agir sobre eles, sem se apoiar em estereótipos, representações coletivas familiares e crenças partilhadas”.

O que, enfim, quero dizer é que, sendo a propaganda uma arte, nenhuma opinião que se dê sobre ela sem levar em conta sua elaboração estética será suficientemente esclarecedora. A este respeito, aliás, cabe notar que a campanha publicitária em discussão tem valor estético quase nulo e, apesar de bela, Gisele Bündchen é má atriz. Não fosse a Secretaria de Políticas para Mulheres uma campanha tão sem sal como aquela seria logo esquecida.

Uma última observação. Ao defender a propaganda como arte menor não quero sugerir que ela seja algo especial e intocável. Nem as grandes artes o são. Não se pode separar tão radicalmente arte e moral. Mas, da mesma forma, é preciso bom senso para que o poder público não perca tempo com bagatelas. O Conar entendeu bem isto e, felizmente, não acatou o pedido da Secretaria de Políticas para Mulheres.

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