amálgama #1 - A Máquina do Movimento Perpétuo



Publicado originalmente em amálgama #1, janeiro de 2002




Por Adriano Lobão Aragão


“Cada um inventa a saída / por onde se arrisca”. No seu livro Marco Lusbel Desce ao Inferno (Editora Blocos, Rio de Janeiro), Rubervam Du Nascimento arriscou inventar sua poesia a partir de colagens e releituras que vão desde anúncios de venda de condomínios, propagandas e poemas astecas até Leonardo da Senhora das Dores Castelo Branco, poeta, inventor e revolucionário que lutou pela independência do Piauí no século XIX. Incompreendido na época (e até hoje), Leonardo nos legou o longo poema A Criação Universal, que serviu de ponto de partida para várias colagens de Rubervam. Ao final do livro, há notas sobre as colagens, mas ainda é possível encontrar inúmeras outras referências que dispensam qualquer indicação. (“Quem diria Manuel / tua Bandeira / foi pro beleléu”) Quantas não estarão obscuras, esperando a “luminosa / manhã / nas palavras”?

Talvez seja a criação poética o verdadeiro moto-contínuo, a máquina do movimento perpétuo, que Leonardo julgava descobrir nas suas pesquisas, a própria criação universal. A nós, que continuamos tentando encontrá-la, devemos conhecer essa travessia de Rubervam, que elimina os limites do tempo e as barreiras nacionais, criando um canto latino-americano na fusão de Leonardo com o subcomandante Marcos, do exército Zapatista de Libertação Nacional, México.

Vários momentos permeiam o surrealismo. Seus versos transformam a tragédia de uma líder camponesa piauiense, morta por fazendeiros, numa redenção lírica, num trabalho contínuo que nem sua morte interrompe:

36
Antonia Flor, 80

na mira de fazendeiros
com seus fuzis de silêncio

montou seu cavalo de sonhos
pra enfrentar a noite

nunca mais voltou

a última vez que foi vista
repartia lotes de nuvens
com os perseguidos do céu


Esta e diversas outras imagens são montadas ao longo de 49 composições de versos fragmentados, mas o conjunto mantém sua unidade.

Residente em Teresina, Rubervam Du Nascimento nasceu na ilha de São Luís do Maranhão, 1954. Advogado e funcionário público, desde os anos 70 reinventa as palavras. Disso resultaram as edições revistas e diminuídas de seu outro livro, A Profissão dos Peixes. Com Marco Lusbel Desce ao Inferno, ganhou o Concurso Blocos de Poesia/97, cuja editora Blocos encarregou-se de publicá-lo. Mas o maior prêmio para um poeta é escrever versos precisos, mesmo que para isso tenha de descer ao inferno, como Orfeu.

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