Meu trabalho em sala de aula sempre me levou a conhecer pessoas instigantes que me fazem reavaliar e aprimorar constantemente meu ofício de professor. Aprendi bastante com alunos, colegas de trabalho, gestores, funcionários e, é claro, com os livros que me acompanham em todas essas jornadas. Além de ter utilizado em sala de aula a coleção Português: Linguagens, tive a honra e o privilégio de trabalhar com William Roberto Cereja, atuando como assessor pedagógico de sua obra no Piauí, Maranhão e Ceará. Foi uma excelente jornada de aprendizado, interrompida neste ano, pois tive que me desligar da Editora Saraiva por conta de novos compromissos profissionais no IFPI que me exigem dedicação exclusiva. Mas eis que, hoje, o professor William me surpreende ao escrever em seu blog,Português Cereja, sobre meu livro as cinzas as palavras. A jornada continua.
http://portuguescereja.editorasaraiva.com.br/palavra-e-silencio-a-luta-va-no-piaui/
Palavra e silêncio: a "luta vã" no Piauí
William Roberto Cereja
Já conhecia a prosa criativa, inusitada e dialógica de Os intrépitos andarilhos e outras margens, do jovem professor e escritor piauiense Adriano Lobão Aragão. Contudo, surpreendi-me com seu novo livro de poemas as cinzas as palavras (Editora dEsEnrEdoS).
Nesse livro, Aragão adota uma dicção entre clássica e moderna, fazendo uso de uma linguagem enxuta e despojada. A quase totalidade de seus poemas situa-se no coração daquilo que se vem chamando de modernidade (no sentido da tradição baudelaireana ou valeryana): a metalinguagem, a poesia emparedada entre o silêncio e a palavra. O silêncio é o não canto, já cantado por Drummond e outros poetas modernos. E a palavra, muitas vezes, sem poder cantar o tempo presente, canta a própria palavra ou o próprio canto poético, especialmente neste caso, aquele ancorado na tradição luso-brasileira.
O dialogismo, tão fortemente presente em Os intrépitos, também se faz presente em As cinzas. No diálogo com Camões, temos, por exemplo, a referência a um tempo heroico passado, que já não se pode cantar, como já se via na fase lírica final de Camões:
Areia estéril onde não canta tágide nem musa
estância onde não se encontra em seus cantos engenho e arte
(“As odes os signos”, p. 15.)
Também as reflexões em torno da passagem do tempo e das mudanças do próprio eu lírico deram origem ao poema “então”, quase uma paródia do poema camoniano “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”:
tudo que no tempo não muda nem tempo nem vontades
nem mentira nem verdade penetra a forma profunda
[...]
somente em mim depositou-se irrelevante reverso
de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce.
(“então”, p. 19.)
Drummond está explicitamente evocado em “não cantaremos o amor”. Embora o tempo não seja de guerra, diz o poeta:
Ainda que nos fosse permitido
não cantaríamos o amor
[...]
e ainda que em nossos túmulos
habitem novamente flores amarelas e medrosas
não cantaremos este amor
que resultou inútil
(“não cantaremos o amor”, p. 59.)
Assim, cantar o impossível canto é a única opção para o poeta, que, perplexo diante de seu tempo e das armadilhas da linguagem, mais uma vez prefere a palavra ao silêncio.
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