Adriano Lobão Aragão
Em julho de 2010, publiquei um texto intitulado "Ensaio de
visibilidade para os olhos de um Argos", em que comento o volume da série
Roteiro da Poesia Brasileira organizado por Marco Lucchesi e dedicado aos anos
2000. A referência a Argos, o mitológico gigante de cem olhos que mantinha
cinquenta deles abertos mesmo quando dormia, foi extraída do próprio prefácio
do livro, em que Lucchesi menciona as dimensões da empreitada que buscou
realizar: um mapeamento do que de mais significativo se produziu (segundo o
antologista, claro) sob a forma poética na referida década. Eis que o tema me
volta à mente diversas vezes, sobretudo por conta de recorrentes observações
que tenho ouvido sobre a sensação de existirem atualmente mais poetas que
leitores de poesia.
Não é de hoje que se discute isso, e há mais de uma década que, vez
ou outra, sou abordado com comentários nesse sentido. Embora não tenha
despertado em mim a necessidade de averiguar algum índice, e nem sei se seria
possível quantificar tal situação, passei a ficar mais atento aos
interlocutores e às situações em que ouço a interessante relação numérica entre
poetas e leitores de poesia. Cheguei até a pensar, confesso, que pudesse ser
alguma manifestação de clamor contra uma vertiginosa concorrência ou um apelo
para a ampliação do mercado consumidor. Mas, como já ouvi várias vezes tal
comentário de pessoas que não escrevem poemas (ou, se escrevem, não divulgam),
não consigo sustentar tal hipótese para além de um ou outro caso bem
específico.
Pensando em minha experiência de professor, imagino que, se os projetos
relativos à poesia desenvolvidos nas diversas salas de aula espalhadas pelo
país derem bons resultados, seria justamente um aumento significativo do número
de escritores o que teríamos, ainda que acompanhados do devido aumento no
número de leitores. Salvo raras exceções, não encontrei bons projetos de
desenvolvimento de leitura de poesia para alunos de ensino fundamental que não
utilizassem a produção textual como mecanismo fundamental, implicando assim a
experiência autoral do texto poético. Atividades envolvendo a produção de
versos calcados nas relações sinestésicas (que eu mesmo explorei em tantas
aulas sobre poetas simbolistas, como forma de instigar os alunos a lerem
sonetos de Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimarens e Da Costa e Silva), resultaram
em esforços poéticos oriundos dos alunos mais aplicados e dos mais inclinados à
produção artística (e não raramente as duas vertente estavam reunidas em um
mesmo aluno).
Se atualmente interação e participação são situações altamente
valorizadas, seja na produção de objetos digitais educacionais, seja na
reestruturação de currículos e projetos político-pedagógicos de escolas e
secretarias de educação, seja na mídia que migra cada vez mais para a internet,
seja em mecanismos como o Facebook e o WhatsApp, exemplos de alicerces de
interação e participação imediata, em nada me surpreende que a sensação da
existência de mais produtores que consumidores tenha se efetivado como uma
realidade.
As origens de tal situação talvez decorram das propostas modernistas de
22 que aproximaram do cotidiano a estrutura e a temática da poesia, talvez da
pluralização dos meios de divulgação arraigadas nos anos 70, ou, quem sabe, das
estimulações construtivistas implementadas por alguns professores, talvez até
da ascensão dos estudos culturais e da supressão da valorização crítica como
mecanismo de consagração. O fato é que, se nas últimas semanas por diversas
vezes fui questionado sobre tal situação, tenho certeza de que daqui pra frente
tal sensação só irá aumentar. Aos que mergulharem nesse labirinto, desejo muito
discernimento e um bocado de sorte para encontrar e compartilhar o que de
melhor possa estar sendo produzido nesse exato momento, onde quer que esteja.
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