Adriano Lobão Aragão
Demorei bastante
para gostar realmente de poesia. Gostava, é certo, de determinados poemas que
ouvia desde a infância, alguns que minha mãe gostava tanto que os tinha de cor.
Vejamos, Ismália, de Alphonsus de
Guimaraens, A flor e a fonte, de
Vicente de Carvalho, Meus oito anos,
de Casimiro de Abreu, e, sobretudo, a Canção
do Tamoio, de Gonçalves Dias, recitada como uma advertência e uma obrigação
para toda a vida. Se ela recitava ou decorava outros, não conseguiria agora
lembrar quais. Mas sei que desde cedo eu tive um imenso fascínio por Homero,
sobretudo pela Ilíada, que só viria a
ler efetivamente aos 23 anos de idade. Por isso, preciso confessar que o
fascínio não provinha da poesia, mas da mitologia, algo plenamente
compreensível ao considerarmos o universo imaginário de uma criança solitária e
portadora de um verdadeiro tesouro que, bem ou mal, definiu boa parte de minha
vida: uma enciclopédia amplamente ilustrada, incluindo generosas informações
sobre a mitologia grega. Mergulhei constantemente nos diversos verbetes, muitas
imagens continuam pregadas nas minhas retinas, vários textos ainda ecoam na
minha mente, mas não me lembro de nenhum poema presente na estimada
enciclopédia. Havia, é claro, biografias e comentários sobre escritores,
inclusive poetas, mas não creio que tenham reproduzido algum verso, ainda que
ilustrativo. Lembro-me de almanaques distribuídos em escolas públicas na
primeira metade dos anos 80 que traziam parlendas, versos populares e até mesmo
alguma coisa de Castro Alves, mas, na minha vivência de então, o que havia de
mais próximo à leitura de poesia era decorar versos dos Titãs, dos Engenheiros
do Hawaii e do Ira! E não me passava pela cabeça, na época, que letra de música
pudesse ser uma forma de poesia.
Durante o ensino
médio, eu me interessava bem mais pela prosa da segunda metade do século XIX,
sobretudo Machado de Assis e Aluísio Azevedo. Num primeiro momento, até mesmo
Camões e Gregório de Matos passaram batido, acredite quem quiser. E o que é
pior, conseguia boas notas na disciplina limitando-me a memorizar determinadas
características, algum contexto histórico, e ainda achava, estupidamente, que
sabia alguma coisa sobre poesia. Mas eu sempre amei os livros. E sempre quis
ter livros. Minha mãe chegou a fazer assinatura de uma revista desnecessária,
chamada Minha, só para receber uma
coleção em formato de bolso de clássicos da literatura. Em suma, era Franz
Kafka, Tolstoi, Dostoiévski e vários outros, todos impressos em papel
vagabundo. Pra mim, era ouro. Mas nenhum dos volumes era voltado para
poesia.
Ora, se hoje sou um
leitor de poesia, se durante quinze anos me dediquei a aproximar meus alunos da
leitura de poesia, se escrevi e publiquei livros aspiram a alguma possível
experiência poética, eu mesmo me pergunto onde, quando e porque isso se tornou
um impulso vital. Sei que fui vencido por Manuel Bandeira (meu primeiro salário
foi gasto quase que integralmente na compra de sua poesia completa), Fernando
Pessoa e H. Dobal, os primeiros poetas que realmente me incomodaram, que lutei
para recusar, que detestei no primeiro contato, mas não pude evitar o risco de
uma releitura e hoje os tenho como parte do que sou. Tempos depois passei
a me indagar sobre os motivos que me levam a ler poesia. Explicações belas e
líricas nunca me interessaram, tampouco algum tecnicismo exacerbado, menos
ainda qualquer forma de ideologia que se afaste do fenômeno poético-literário
em si. Mas continuarei estudando. A poesia para mim ainda é um campo de
incertezas, mas refletir em instâncias cada vez mais profundas sobre os motivos
que me levam a apreciar aquilo que aprecio, e jamais me conformar com respostas
rasas e circunstanciais, pode ser uma das formas para compreender a essência de
mim mesmo; e, diante das inúmeras outras manifestações que causam fascínio nas
pessoas (tais como cinema, música, futebol, política, religião e o que mais
for), refletir continuamente de maneira íntima e pessoal sobre o que move esse
fascínio talvez seja um esforço intelectual que todo ser humano deveria fazer.
Publicado no jornal Diário do Povo, Teresina, 22 de outubro de 2013
Comentários