[por Mara Vanessa]
texto publicado no blog Dose Literária
"Eu me lembro também que eu não... que eu tinha uma certa... uma
certa aversão à poesia. Isso não era um negócio que eu gostasse não. Eu
gostava de música, eu gostava de história em quadrinhos, gostava de
cinema e poesia me parecia um negócio muito estranho".
Essa afirmação, dita após um vasculhamento no baú das lembranças, é de
uma das maiores promessas da cena literária piauiense, o escritor,
professor e entusiasta literário Adriano Lobão.
Nascido em Teresina, capital do Piauí, nos "distantes anos" de 1977,
Adriano não cogitava o destino que a sua vida tomaria algumas décadas
depois, lançando-o impiedosamente no universo literário. De garoto que
curtia música e HQs, Lobão se transformou no autor de cinco livros literários,
colaborador em coletâneas nacionais, vencedor de prêmios literários e
uma espécie de mecenas da literatura, artes e pesquisas, como editor da
revista eletrônica dEsEnrEdoS e do blog Ágora da Taba.
Recentemente, o escritor participou do programa governamental Piauí Notícias (ouça AQUI), contando um pouco sobre o começo de sua paixão literária e quais suas principais influências no decorrer dessa estrada, passando de estudante que fugia da poesia (não chegava a ser um hater, mas era um runaway) para um dos maiores poetas piauienses, quiçá nacionais. Eu tive o prazer de ter sido aluna do professor Adriano Lobão em todas as séries do Ensino Médio e, como já disse em diversas outras ocasiões, ter sido maravilhada com a indicação de grandes poetas nacionais e estrangeiros, excelentes escritores e aprendido a construir meu gosto literário. Lembro que o então professor Adriano costumava incentivar seus alunos com "prêmios literários" para quem tirasse a nota máxima nas provas de Literatura. Dessa forma, colecionei alguns títulos e, dentre eles, o "Cartas A um Jovem Poeta/Canção de Amor e de Morte", do Rainer Maria Rilke, um dos maiores poetas de língua alemã do século XX. Também foi com o professor Lobão que me interessei por literatura piauiense, como Mário Faustino e Da Costa e Silva. Não posso deixar de mencionar Emily Dickinson - de quem viria a me tornar admiradora irrecuperável - poetisa que li pela primeira vez em um livro emprestado pelo professor Adriano, ou ainda recordar das cantigas trovadorescas declamadas com tanta animação em sala de aula.
Algumas vezes, quando estou imersa em estudos chatos, técnicos ou nada a ver com minha área de interesse, ou no meio de pesquisas exaustivas, dou uma parada e olho para os meus livros de literatura, encostados - mas nunca abandonados - em um canto da minha estante. Outro dia, depois de me estressar profundamente com o conteúdo de uma matéria técnica, me desesperei e corri chorando pelo quarto. Então eu dei uma olhada para o lado esquerdo, onde ficam meus livros de literatura do colégio, lembrando de "tempos que não voltam mais", de "aulas que não voltam mais" e me dei conta de que aqueles assuntos tão queridos poderiam voltar. Comecei a folhear as páginas e ler sobre as escolas literárias, principais nomes (poetas, escritores), tive contato com trechos e poesias e tudo foi voltando ao normal aos poucos. Dessa forma, consegui retornar à chatice do dia-a-dia sem perder a cabeça e, principalmente, sem esquecer que memória é a forma mais poderosa de arte, pois não existe fator externo que a possa apagar ou borrar.
Esse "depoimento-de-consulta psicológica" foi apenas para dizer que o escritor, poeta, mestrando e eterno professor (pelo menos para mim) Adriano Lobão merece ser ouvido e conhecido com toda a atenção. Algumas pessoas são como os melhores personagens de nossos livros favoritos: mesmo que o tempo passe e elas mudem de rota ou de comportamento, whatever, continuam a ser importantes na construção da nossa identidade, de quem somos. E isso, meus amigos, não tem preço.
Abaixo, alguns poemas de Adriano Lobão (ave eva (2011) e as cinzas as palavras (2009) estão disponíveis em pdf. Clique nos nomes das obras para baixar):
entre folhas a parreira
mas de tua tez aflora
mais que evidente elegia
de fruta e aurora
e uva talvez teus seios
ou tua vulva
que entre folhas a parreira
sementes espalha
e de tuas mãos sobrepostas
como se a si segurasse
suavemente em essência
sendo o próprio pomo
o que emana teu âmago
em colheita inteira
somente em si
música, quando calada
música, quando calada
em harmonia emana
silencioso gesto
de acorde delicado
e ausente, imagem se define
sendo presença exata
de imaginário traço
em concreta abstração
e quando sem vestes se revela
lindamente vestida
de teu corpo somente
dança imóvel teu ser
e sei desta invisível escultura
deitada impressa no tempo
que sempre única se faz
querer e amar apenas mais
não sei qual lascivo arabesco
tua morena pele esconde
onde agora cego vislumbro
a escura linguagem da luz
e se toca a minha a tua mão
sei que teu passo acompanho
ainda quando não ouça
a vaga música em que danças
as tardes as manhãs
as tardes quentes e iguais a todas as outras as manhãs
desprovidas de ânsias vãs seguem lentamente aos currais
como se guardassem mais que o passado dos dias de amanhã
e perene a si tece a tarde disposta sobre nós
como noite de homem só como tempo que não se mede
agudo vento que segue sem rumo sem prumo sem voz
iguais a todas as outras se tramam em nós as marcas
em caminho aberto a faca como vento leva suas folhas
iguais a todas as horas na erma eternidade do nada
e perene a si tece a tarde disposta sobre nós
as tardes quentes e iguais a todas as outras as manhãs
desprovidas de ânsias vãs seguem lentamente aos currais
como se guardassem mais que o passado dos dias de amanhã
e perene a si tece a tarde disposta sobre nós
como noite de homem só como tempo que não se mede
agudo vento que segue sem rumo sem prumo sem voz
iguais a todas as outras se tramam em nós as marcas
em caminho aberto a faca como vento leva suas folhas
iguais a todas as horas na erma eternidade do nada
e perene a si tece a tarde disposta sobre nós
as tardes quentes e iguais a todas as outras as manhãs
(as cinzas as palavras, 2009)
as odes os signos
estas odes que aqui se erguem como estranhos obeliscos
emanam como desencanto louvando o próprio canto
palavra perdida lançada em busca de alheio signo
este verbo disperso em distante campo de poeira
areia estéril onde não canta tágide nem musa
estância onde não se encontra em seus cantos engenho e arte
nem alegre lembrança vestida de esquecidas ânsias
nem rústico altar profano onde sem música se dança
aquém dos verbos de outrora além dos versos de amanhã
decantados em prosa elegia e hino assim recordam
estas odes aqui erguidas em busca de signo alheio
(as cinzas as palavras, 2009)
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