[Adriano Lobão Aragão]
J.L. Rocha do Nascimento - Certamente. O livro é uma espécie de "três em um". Se fosse um produto descartável, cada terça parte poderia ser vendida separadamente. O que há de comum, além da temática: o esforço individual de conferir ao tema um tratamento estético. Em termos de qualidade, penso que os contos se encontram nivelados. Diferenças: o estilo pessoal de cada um dos contistas; o grau de intensidade do erotismo, em escala decrescente. Por fim, nos meus contos há uma relação de circularidade, um permanente diálogo entre eles; a rigor, é uma única história com as mesmas personagens, cenário, tempo e o espaço. Os contos de Airton Sampaio estão dispostos lado a lado, mas num sentido vertical, são sete personagens diferentes, cenários diferentes etc. Por fim, os contos de M. Moura Filho estão em linha horizontal, a ligação entre eles decorre de um viés comum: os pecados capitais.
Airton - Como tínhamos os pés firmes no chão, foi delicioso correr o risco de nos equilibrar na tênue linha que separa o erótico do pornográfico, não se interditando, em princípio, nenhuma palavra, pois todas, quando esteticamente empregadas, se equivalem. Outro motivo foi palmilhar uma temática cercada de vedações e preconceitos, embora não haja ser humano nenhum que não seja erótico, até porque o ser humano é o único animal erótico que existe. Em terceiro lugar, ficou provado para nós que literatura não é tema, mas linguagem estetizada, seja sobre o que for, inclusive sobre nada.
Adriano - Airton, quais as principais dificuldades ao utilizar a intertextualidade em textos eróticos?
Airton - Há que ter o cuidado de não se quebrar o clima erótico com o dado intertextual. Por exemplo, num dos meus contos, o personagem tem como alerta de chamada do seu celular uma canção erótica de Chico Buarque, que pusera (isso fica implícito) como alerta do seu celular após ela deixar a letra da música como um bilhete de despedida enquanto ele ainda dormia. Essa intertextualidade não se deu, é claro, em pleno ato sexual, o que seria incabível, a não ser se a intenção fosse humorística...
[trechos desta entrevista foram publicados no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, em 31 de julho e 14 de agosto de 2012]
Dei pra
mal dizer é a mais
nova criação do Grupo Tarântula, que envolve os contistas J.L. Rocha do
Nascimento, Airton Sampaio e M.de Moura Filho. Tendo o erotismo como temática comum,
o livro apresenta-se divido em três partes, “Fesceninos”, de autoria de J.L.,
“Favoritas.com”, de Airton Sampaio, e “Pecadilhos”, de Moura Filho. Após a
leitura da obra em questão, conversei com os Tarântulas sobra sua produção e os
desafios do erotismo literário.
Adriano Lobão Aragão - O volume
de contos Dei pra mal dizer revela
uma reunião de três livros com temáticas afins. Que semelhanças e diferenças
vocês apontariam entre si?
M. de Moura Filho - Duas semelhanças eu destaco: o erotismo e o tratamento exaustivo dado aos textos por todos os autores para que, ao final, não descambassem para a pornografia. Há várias diferenças: estilo de cada autor e a abordagem do tema, a ponto de se permitir a leitura de que o livro é composto, em verdade, por três livros; a intensidade do erotismo imposto nos contos também por cada autor.
M. de Moura Filho - Duas semelhanças eu destaco: o erotismo e o tratamento exaustivo dado aos textos por todos os autores para que, ao final, não descambassem para a pornografia. Há várias diferenças: estilo de cada autor e a abordagem do tema, a ponto de se permitir a leitura de que o livro é composto, em verdade, por três livros; a intensidade do erotismo imposto nos contos também por cada autor.
Airton Sampaio - Várias diferenças, em níveis
diversos de complexidade, sendo uma perceptível a olho nu: a extensão dos
contos, que vão dos mais extensos, de JL Rocha do Nascimento, passando pelos
menos expandidos, de Airton Sampaio, aos microcontos, de M de Moura Filho.
Todos, acredito, com qualidades semelhantes.
J.L. Rocha do Nascimento - Certamente. O livro é uma espécie de "três em um". Se fosse um produto descartável, cada terça parte poderia ser vendida separadamente. O que há de comum, além da temática: o esforço individual de conferir ao tema um tratamento estético. Em termos de qualidade, penso que os contos se encontram nivelados. Diferenças: o estilo pessoal de cada um dos contistas; o grau de intensidade do erotismo, em escala decrescente. Por fim, nos meus contos há uma relação de circularidade, um permanente diálogo entre eles; a rigor, é uma única história com as mesmas personagens, cenário, tempo e o espaço. Os contos de Airton Sampaio estão dispostos lado a lado, mas num sentido vertical, são sete personagens diferentes, cenários diferentes etc. Por fim, os contos de M. Moura Filho estão em linha horizontal, a ligação entre eles decorre de um viés comum: os pecados capitais.
Adriano - Direta ou
indiretamente, o erotismo é tema recorrente na literatura. Como surgiu a ideia
de publicar um livro especificamente erótico?
J.L. - De fato, é recorrente. A
experiência mais antiga que este lado ocidental tem conhecimento é o
livro Gênesis, da Bíblia. A ideia de publicação surgiu a partir do
reencontro do Grupo Tarântula e da criação do blog confrariatarantula. A opção
monotemática resultou da necessidade de se conferir uma unidade ao livro,
por se tratar de uma obra coletiva. A temática erótica foi uma escolha
dentre várias outras examinadas. A deliberação foi democrática. Influenciou o
fato de se tratar de um tema, ainda que recorrente, interdito, além de
representar um desafio no sentido de trabalhar o mesmo na ponta dos dedos, com
rigor, sem fazer concessões.
Airton - Como tínhamos os pés firmes no chão, foi delicioso correr o risco de nos equilibrar na tênue linha que separa o erótico do pornográfico, não se interditando, em princípio, nenhuma palavra, pois todas, quando esteticamente empregadas, se equivalem. Outro motivo foi palmilhar uma temática cercada de vedações e preconceitos, embora não haja ser humano nenhum que não seja erótico, até porque o ser humano é o único animal erótico que existe. Em terceiro lugar, ficou provado para nós que literatura não é tema, mas linguagem estetizada, seja sobre o que for, inclusive sobre nada.
Moura
Filho - O
lançamento de “Geração de 1970 no Piauí: contos antológicos”, organizado por
Airton Sampaio, fez ressurgir o Grupo Tarântula de Contistas. A partir de então, decidiu-se pelo lançamento
de uma coletânea, e vejo que a eleição do erotismo deu-se no sentido de se
buscar mesmo uma identidade comum a todos os contos; pelo desafio de trilhar
por tema tão próximo da pornografia. Além do mais, para um grupo que, no
passado, impôs um contística urbana na literatura manufatura no Piauí, um
volume de contos eróticos teria uma expressão inovadora assemelhada.
Adriano - Todos os contos foram escritos especialmente para o livro ou
já havia produção anterior?
Airton - No meu caso,
os sete contos foram escritos para o livro, unificados pela ideia de que as
sete personagens-título (Aspásia, Beja, Laís, Lola, Lucíola, Olímpia) remetem a
célebres cortesãs, à exceção de Alice, uma Lolita.
J.L. - Não, não
havia produção anterior. Definida a temática, partimos do zero. O que também
fazia parte do desafio. Trata-se, vamos dizer assim, de um livro
feito por 'encomenda' pelos próprios autores.
Moura Filho - Desde que
extinto o Grupo Tarântula de Contistas, não produzi sequer um único conto.
Estava apenas envolvido com o trabalho que me remunera regularmente. A minha
retomada ao conto deu-se com a criação do blog Confraria Tarântula
(www.confrariatarantula.blogspot.com.br). De sorte que, efetivamente, todos os
contos foram escritos especialmente para o livro.
Adriano - Durante a divulgação do livro, houve algum tipo de
controvérsia por conta do erotismo?
Moura Filho - Em absoluto. A
divulgação do livro deu-se, basicamente, por página criada no Facebook:
https://www.facebook.com/DeiPraMalDizerContosEroticos. Visitando-a, ver-se-á um
frenesi pelo lançamento do livro — tanto que o lançamento na ADUFPI foi um
sucesso, além das expectativas dos coautores.
J.L. - Controvérsia,
no sentido de discussão ou polêmica, creio que não. Houve sim as mais variadas
reações. Como a divulgação, pelo menos no meu caso, foi feita mais
no corpo a corpo, no dia a dia, deparei-me com expressões de surpresa,
incredulidade, ironia, perplexidade e de desconhecimento da diferença
existente entre o erótico e o pornográfico, enfim. Uma
certa pessoa (de formação, esclarecida) chegou a dizer que não imaginava
pudesse um magistrado ser escritor, muito menos escrever ficção erótica.
Foi difícil convencê-la de que o juiz/professor e o escritor operam
em estações diferentes.
Airton - No lançamento
do livro, por exemplo, houve quem se retirasse do evento quando o ThiagoE
recitou poemas hipereróticos de Arnaldo Antunes... Uma aluna (21 anos!) minha
não foi ao lançamento porque os pais proibiram... Um leitor, desses para quem
sovaco só serve se for axila, me disse na lata que precisamos é de uma boa
ditadura para proibir livros como Dei Pra Mal Dizer... O MELHOR, porém, é que
ELAS, sempre mesmo mais sensíveis, adoraram!
Adriano - Vocês fazem alguma distinção entre erotismo e pornografia?
Airton - Há
diferenças, porque o pornográfico não se pretende estético e não enriquece o
repertório intelectual do receptor, que reage apenas física e fisiologicamente.
Dou um exemplo: meus contos em Dei pra Mal Dizer podem despertar o interesse
pelo conhecimento de quem são as cortesãs com que os nomeio e, se fizerem isso,
vão se surpreender quanta história há protagonizadas por essas mulheres
consciente, e poderosamente, eróticas. É claro que há, como em tudo, zonas
cinzentas, mas o dado estético aclara as brumas. O que é lamentável é que
geralmente as avaliações do texto erótico são moralistas, não estéticas. Essas
eu desconsidero e tenho dó das mentes que a fazem, porque em geral são pessoas
pornográficas, inclusive politicamente. Não é nada incomum corruptos se
arvorarem em paladinos da moral e dos bons costumes. Não conhecem
estéticas, os infelizes, nem, muito menos, o grau máximo da estética: a ética.
J.L. - Acredito que
sim. DEI PRA MAL DIZER, a partir de sua concepção inicial, foi construído com
essa preocupação: a de demarcar os espaços, de separar o erotismo da
pornografia. Optamos pelo erotismo, mesmo cientes de que em determinadas circunstâncias
pode existir uma verdadeira zona cinzenta em decorrência da qual nem sempre é
possível fazer a distinção.
Moura Filho - Com efeito, é
muito mais fácil a elaboração de um texto pornográfico: basta preocupar-se
unicamente com o sexo em seu estado bruto. O texto erótico exige do autor
elaboração estética. Acho que, fundamentalmente, essa é a distinção.
Adriano - É possível existir alguma forma de "pornografia
artística"?
J.L. - Pessoalmente,
tenho dificuldade de conferir um tratamento estético ao tema.
Moura Filho - Não creio que
seja possível a existência de uma pornografia artística. Contudo, é evidente
que textos pornográficos existem que, historicamente, quer pelo período em que
publicados, quer pela crueza no trato do sexo, ou pelo inusitado, tornaram-se
relevantes para as artes, notadamente na literatura.
Airton - A pornografia e o erotismo são
dados semióticos. Assim, se alguém "faz amor" ou "transa"
pode não ser considerado pornográfico, pelo menos não tanto quanto quem
"trepa". A cabeça da recepção e a cultura em se está imerso são
fundamentais nessa definição, pois uma "pornografia artística" nada
mais seria que um super-hiperotismo com elementos estéticos presentes. Ou seja,
se o relato foca apenas o sexo pelo sexo, não há preocupação estética, assim
como não a tem a violência pela violência. É preciso alguma transcendência,
ainda que mínima.
Adriano - Moura
Filho, foi difícil fugir dos clichês ao utilizar-se da referência aos pecados
capitais?
Moura
Filho -
Estabeleceu-se, quando se discutiu a coletânea, que cada um dos contistas
apresentaria sete contos. Daí a minha opção pelos sete pecados capitais, para
criar uma unidade, imprimindo, em cada um os vícios que se contrapõem à
adoração de Deus, o sexo — a luxúria é o único pecado capital que se relaciona
com o sexo. Houve, sim, uma certa
dificuldade para fugir dos clichês. Mas tal fato, creio, valorizou os textos.
Dou como exemplo a inveja, que é relacionada sempre a outra pessoa, enquanto no
meu texto, a personagem tem inveja de si mesma, em virtude da velhice.
Adriano - Airton, quais as principais dificuldades ao utilizar a intertextualidade em textos eróticos?
Airton - Há que ter o cuidado de não se quebrar o clima erótico com o dado intertextual. Por exemplo, num dos meus contos, o personagem tem como alerta de chamada do seu celular uma canção erótica de Chico Buarque, que pusera (isso fica implícito) como alerta do seu celular após ela deixar a letra da música como um bilhete de despedida enquanto ele ainda dormia. Essa intertextualidade não se deu, é claro, em pleno ato sexual, o que seria incabível, a não ser se a intenção fosse humorística...
Adriano - J.L., em “Dei pra mal dizer”, seus contos apresentam uma correlação
entre si, como uma continuidade?
JL - Sim. Como já
dissera antes, entre eles há uma relação de circularidade, um diálogo
permanente. A trama é dividida em 05 partes. A primeira delas anuncia a ação
futura (PRELÚDIO); segue-se um flashback (FORMAÇÕES ROCHOSAS); em seguida, as
duas ações principais (MORANGOS SILVESTRES e CABRA-CEGA). E o ciclo se fecha tragicamente
com FINALE. QUARTO DE MILHA e BUTIM são cenas que podem ser retiradas e/ou encaixadas
em qualquer das duas ações principais, por isso mesmo foram deslocados para
depois de FINALE, como se fossem uma espécie de bônus, cenas extras ou
excluídas, na linguagem do cinema.
[trechos desta entrevista foram publicados no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, em 31 de julho e 14 de agosto de 2012]
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