[Adriano Lobão Aragão]
Próximo ao litoral piauiense, encontrava-se
a Vila de São João da Parnaíba, que segundo o ouvidor-geral Antonio José de
Morais Durão, tinha, em 1774, uma população de 2.694 pessoas, distribuídas em
444 fogos, residências familiares, 79 fazendas e 500 sítios. Nasceria nessa
vila, em 1787, o poeta Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, filho de Antônio
Saraiva de Carvalho e Margarida Rosa da Silva. Segundo Maria do Socorro Rios
Magalhães, em Literatura Piauiense,
horizontes de leitura e crítica literária (1900-1930), o analfabetismo era
generalizado e às famílias abastadas só cabia enviar seus filhos aos maiores
centros ou valer-se da figura do mestre-escola negro, alforriado e proveniente
da Bahia, para ensinar-lhe as primeiras letras, pois não havia ensino regular.
Dessa maneira, Ovídio Saraiva permaneceria somente seis anos no Piauí, sendo
enviado pelos pais, em 1793, para iniciar seus estudos em Portugal. Em um de
seus sonetos, faz referência a seu exílio.
“E contando anos seis”,
Ovídio foi enviado pelos pais a Portugal. Os versos declarando que, longe da
remota vila no Piauí, o destino anunciado pelo Mocho, ave de rapina noturna
menor que a coruja, seria morrer é mais reflexo de uma temática constante em
seus versos que sentimento telúrico. Na realidade, o exílio foi determinante
para sua vida, e não para a morte, pois em 1805 estava matriculando-se no curso
de Direito da Universidade de Coimbra.
Seu
livro, Poemas, foi publicado na Imprensa da Universidade de
Coimbra em 1808, mesmo ano em que Dom João VI transfere-se com a corte
portuguesa para o Brasil, em virtude do cerco de Napoleão. Concluiria seu curso
em 1811. No ano seguinte, é nomeado juiz na cidade de Mariana, Minas Gerais, e
entre 1816 e 1819, em Nossa Senhora do Desterro, Santa Catarina. Embora sua
poesia seja por muitos considerada Neoclássica, a formação literária de Ovídio,
realizada em Portugal, possui uma nítida tendência pré-romântica expressa em
seu anseio pela morte, tendo uma declarada influência de Bocage.
Uma vez estabelecida a
independência, temos a busca dos valores nacionais que tanto caracterizou a 1.ª
Geração da poesia romântica brasileira. A abdicação de Dom Pedro I, em 1831,
marca o primeiro hino nacional brasileiro, Ao Grande e Heróico 7 de Abril de
1831, tendo letra escrita por Ovídio
Saraiva. Nesse hino, os portugueses, tão venerados em Poemas, são agora tidos por “monstros”.
Além disso, menciona preconceituosamente o sangue judaico e mouro, gerador de
“homens bárbaros”. D. Pedro II é anunciado como um futuro monarca realmente
brasileiro, após “uma prudente regência”. Dessa maneira, fica patente que o
reinado de D. Pedro I era visto como um prolongamento da dominação portuguesa,
em transição para a “independência verdadeira”. D. Pedro I, após a abdicação,
assumiu o trono de Portugal.
Poemas não
constitui um grande momento da literatura nacional, nem expressão de valores
piauienses, sobretudo pelas condições culturais, sociais e políticas da
província na época e do poeta ter tido uma formação cultural lusitana. Seu
livro encontra influências na literatura portuguesa, notadamente Bocage, que Ovídio adotou como modelo
poético. Da mesma maneira que o poeta português oscila entre o Neoclassicismo e
um Pré-Romantismo, os poemas de Ovídio também buscam essa mesma tendência.
Somente em 1825 o Romantismo iria surgir em Portugal, através de Almeida Garrett, com seu poema Camões,
embora já existisse desde o século XVIII, na Alemanha e na Inglaterra. De
qualquer forma, Bocage e seus
seguidores enquadram-se num período em que a poesia portuguesa estava em
transição para o Romantismo, resultando daí esse Pré-Romantismo, onde alguns
valores do Arcadismo coexistem com aspectos românticos, como a morbidez
configurada na morte, no desejo de morrer, no ambiente noturno e na angústia,
mesmo que sendo convencionalismo e fingimento poético. Inserido nesse contexto,
temos a poesia de Ovídio.
O primeiro poeta nascido em
solo piauiense morreria a 11 de janeiro de 1852, na Vila de Piraí, na província
do Rio de Janeiro. Atualmente, é nome de rua no Rio de Janeiro e patrono da
cadeira n.º 27 da Academia Parnaibana de Letras. Em 1989, a Universidade
Federal do Piauí, UFPI, publicou a segunda edição de Poemas, a partir de
cópia enviada da Biblioteca Nacional de Lisboa pelo então embaixador Alberto da Costa e Silva, filho do
poeta piauiense Da Costa e Silva.
Não se trata de uma obra-prima, mas para valorizar nossa cultura literária, é
preciso rever suas raízes, mesmo que tão presas aos moldes portugueses e à
carência de leitores.
[publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 10 de julho de 2012]
[publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 10 de julho de 2012]
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