Nélida Cuiñas Piñon nasceu no dia
3 de maio de 1937, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, filha de Olivia Carmen
Cuiñas Piñon, brasileira filha de galegos, e Lino Piñon Muiños, comerciante,
natural de Borela, município de Cotobade (Galiza). Na década de 1910, seu avô
materno, Daniel Cuiñas, chega de Carballedo (Cotobade) "para conquistar o
Brasil". Em 1947, aos dez anos, mudou-se com pais e avós maternos para
Borela, onde permaneceram por dois anos. Na aldeia galega, a forte presença da
natureza, o modo de vida camponês e o imaginário galego iriam influenciar
bastante a obra que Nélida viria a produzir anos depois, principalmente seu
romance A República dos Sonhos.
Desde seu primeiro romance, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, publicado
em 1961, a linguagem da autora é apontada como inovadora e hermética. Em 1978,
em depoimento para a Folha de S. Paulo, Nélida declararia que “buscava
expressar-me através de uma linguagem nova, de uma sintaxe pessoal. Lutei por
isso porque, desde menina, compreendia que tinha de subverter a sintaxe bem
comportada, pois as palavras que nela estão, são, de modo geral, também muito
bem comportadas. São palavras oficializadas, institucionalizadas,
estatutizadas. Então, eu busquei um caminho que subvertesse essa noção de
realidade que me implantavam.”
Entre Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo e A
República dos Sonhos, editado em 1984, Nélida publicou os romances Madeira Feita Cruz, 1963; Fundador, 1969; A Casa da Paixão, 1972; Tebas
do Meu Coração, 1974; e A Força do
Destino, 1977, além de livros de contos. Em todas essas obras, a autora
imprimiu seu estilo peculiar, sua sintaxe desafiadora e uma apurada visão do
universo feminino. Tais aventuras linguísticas e estéticas exigiram da autora
um rigoroso procedimento de produção, um compromisso exaustivo de escrita e
reescrita em busca da expressão exata que respondesse artisticamente a seus
anseios enquanto escritora ciente da necessidade de uma voz própria.
É
importante frisar que, além da narrativa em si elaborada por Nélida, sua
trajetória como escritora e personalidade pública confirma-se como uma das mais
expressivas e louváveis carreiras, configurando-se como um inestimável exemplo
da plena emancipação feminina. Entre outros méritos, destacamos sua eleição
para a Academia Brasileira de Letras, em 27 de julho de 1989 (instituição que
promoveu ao longo de sua história lamentáveis episódios calcados em um machismo
inadmissível para uma entidade voltada para o âmbito cultural, como a
impugnação da candidatura de Amélia Bevilácqua e as sucessivas décadas sem que
nenhuma mulher fosse admitida em seus quadros); ainda em 1989, recebe o título
de Personalidade do Ano, deferido pela União Brasileira de Escritores,
participa do Congresso de Escritores de Língua Portuguesa, em Lisboa, e em
abril viaja aos EUA para o lançamento de The Republic of Dreams, traduzido
por Helen Lane. Em 1991, assume a Cátedra Henry King Stanford em Humanidades,
na University of Miami, ministrando cursos semestrais de Literatura Comparada,
atividade que se estendeu até 2003. Em 1992, a University of Miami organiza o International
Symposium “The World of Nélida Piñón”, nos dias 3 e 4 de abril, no Lowe Art
Museum, Miami. Em 1996, foi eleita presidente da Academia Brasileira de Letras,
primeira mulher a ocupar a presidência da Casa de Machado de Assis. Coube a
Nélida a responsabilidade de coordenar, com exemplar maestria, a celebração do
centenário da ABL, em 1997. No ano seguinte, foi nomeada Chevalier de l'Ordre
des Arts et des Lettres, comenda do governo francês. Também recebeu o título de
Doutor Honoris Causa da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha),
concedido pela primeira vez a uma mulher em 503 anos, além de conquistar o
Prêmio Príncipe de Astúrias-Letras, pela primeira vez concedido a autor de
língua portuguesa. Entretanto, nenhuma dessas láureas concedias à autora supera
a maior homenagem que se possa fazer a quem se dispõe a mergulhar profundamente
na criação literária: ler, comentar, discutir e divulgar sua obra. Nélida exige
muita atenção e reflexão de seus leitores, mas gentilmente oferece, como uma
verdadeira musa da narrativa plena de significados, a oportunidade de nos tornarmos
melhores leitores.
[publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 12 de junho de 2012]
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