"A barricada fecha a rua, mas abre a via."
(Frase pichada nos muros de Paris em Maio de 1968) 
 [Joaquim das Flores] 
A luta dos estudantes contra o aumento das passagens em Teresina é uma demonstração aos  homens
 públicos e aos empresários que Teresina não é mais uma província. A 
maioria de nossos governantes raciocina como se a velha cidade 
provinciana de outrora ainda fosse a mesma. Teresina é hoje uma cidade 
que precisa de grandes viadutos, não de rotatórias improvisadas. Uma 
cidade que demanda largas vias, semáforos, novas marginais, sinalização 
para passagem de pedestres em suas principais avenidas (não há uma 
sequer!).  Talvez por um 
problema de geração, comodidade ou de percepção da grandeza da cidade, 
os governantes de hoje não assimilaram esta nova Teresina. 
Como
 sabemos, os empresários que detém a concessão pública das linhas 
urbanas de ônibus financiam as campanhas dos vereadores e do prefeito. 
Por isso, a decisão sobre a tarifa a ser cobrada é tomada a portas 
trancadas. Reúnem-se o prefeito e os empresários, decidem segundo seus 
interesses particulares, negociam. Trabalhadores, estudantes e usuários 
em geral não interferem nesta decisão, estão excluídos dela. O prefeito,
 ao invés de defender o interesse público, advoga em favor dos 
interesses privados dos empresários, que, afinal, serão sua principal 
receita de financiamento de campanha. Esta situação não poderá continuar
 por muito tempo, creio. A consciência democrática não admite decisões 
unilaterais, sem diálogo. A elite política e empresarial teresinense não
 assimilou esta nova realidade. O cidadão não aceita mais ser objeto 
passivo da decisão de uma elite intransigente.
Em
 verdade, o atual prefeito Elmano Férrer tem avançado em alguns pontos 
desta questão. Se estivéssemos na época de Sílvio Mendes, cujos 
familiares eram, e ainda são, donos de empresas de ônibus, certamente, 
não teríamos integração de linhas, tampouco qualquer outro benefício. 
Recordo-me que nas eleições para prefeito em 2004, Mendes implementou 
meia-passagem para todos os usuários em feriados e fins de semana. A 
"promoção" durou até o dia das eleições. Na manhã seguinte, já eleito, o
 prefeito a suspendeu. 
Sílvio
 Mendes, como sabemos, prorrogou a concessão das linhas aos seus colegas
 por mais vinte anos de maneira inconstitucional, à revelia da 
intervenção do Superior Tribunal Federal com a então ministra Ellen 
Gracie. Mendes sabia que um processo licitatório com a concorrência de 
dezenas de empresas que operam com linhas urbanas em todo o Brasil 
poderia certamente eliminar as empresas locais ou diminuir drasticamente
 suas escorchantes taxas de lucro. Decidiu então prorrogar ilegalmente a
 concessão pública sem licitação. Um absurdo autoritário. Mendes era 
irredutível nesta questão. Não titubeou em rasgar a Constituição para 
fazer valer os interesses privados de sua família e do cartel de 
empresários-financiadores de campanha eleitoral.
Os
 jornais locais têm tachado os estudantes de vândalos. Não por acaso, 
estes jornais são propriedade do mesmo grupo de empresário e familiares 
afins. Estaríamos diante de um clã-parental que manipula a informação, a
 poder municipal e o transporte público. Elementar. A história ensina, 
entretanto, que todas as conquistas democráticas, onde quer que elas se 
dessem, foram resultado de um longo processo de luta. Foi assim na 
Revolução Francesa, foi assim em 1848 em Paris, foi assim na Comuna de 
Paris em 1870, foi assim nas Diretas Já. Os estudantes teresinenses de 
hoje são personagens vivos, dotados de uma consciência democrática que 
quer se fazer ouvir, ainda que para isso seja necessário usar da 
violência. 
A violência é um recurso legítimo de toda luta democrática. Quem está excluído e quer se fazer ouvir deve lutar.  A
 promotora do caso, Clotildes Costa Carvalho, veio a TV acusar o 
movimento de "vândalos" de ser financiado por sindicatos de esquerda. 
Quer dizer então que é legítimo que os empresários de linhas de ônibus 
financiem campanhas para prefeito e vereadores, porém não é legítimo que
 os sindicatos financiem a causa dos estudantes e usuário de transporte 
público? O que a senhora promotora chama de legitimidade deveríamos 
chamar de promiscuidade política entre empresários, prefeito e 
vereadores. A promotora, como jurista que é, deveria saber que os 
sindicatos são entidades privadas — corporações — e que possuem 
legitimidade constitucional para representarem seus adeptos.
E
 já que estamos a falar de legitimidade, deveríamos nos perguntar o que 
levou estes estudantes à luta radical. Creio que haja uma consciência 
democrática florescendo entre nós, e que tal consciência levou milhares 
de jovens a exporem sua própria integridade física para lutar contra um 
sistema viciado e injusto. As razões da luta, portanto, não dizem 
respeito apenas ao aumento das passagens, ou à falsa integração das 
linhas, mas a um conjunto de questões que saturaram o cidadão 
teresinense. Com a facilidade de articulação coletiva através das redes 
sociais virtuais, esta insatisfação se transformou em luta e ação 
política. Quais, então, os principais pontos de saturação da consciência
 democrática diante do problema do transporte público em Teresina? Vamos
 a eles:
1)
 Teresina precisa ter um processo licitatório constitucional para as 
linhas de ônibus com ampla concorrência para as empresas de fora da 
cidade, empresas que possam gerar concorrência interna e melhoria da 
qualidade do transporte. A prorrogação arbitrária do ex-prefeito Sílvio 
Mendes deve ser revogada. Licitação límpida e transparente. Concorrência
 pública. Fim do monopólio empresarial local.
2)
 Os empresários se queixam da baixa margem de lucro que auferem com o 
transporte urbano em Teresina. O aumento das passagens seria inevitável 
para que a atividade continuasse lucrativa. Ora, se não é uma atividade 
lucrativa, então porque estes senhores não mudam de ramo? Passem a 
concessão para outro gestor e migrem para uma atividade mais lucrativa. 
Ademais, se fizéssemos um levantamento sobre o crescimento do patrimônio
 destes senhores nos últimos vinte anos de prefeitura pessedebista 
veríamos que esta atividade é lucrativa por demais. Em verdade, a 
concessão de linhas urbanas em Teresina não é uma atividade lucrativa, 
mas uma atividade de extorsão institucional, enriquecimento ilícito e um
 vício para o sistema eleitoral teresinense e brasileiro.
3)
 As linhas de ônibus em Teresina são cartelizadas. E isso é ilegal. A 
linha que vai do bairro Saci para o Centro é monopólio da empresa Cidade
 Verde. Se a empresa Taguatur quiser concorrer com a Cidade Verde nesta 
linha, será embargada. Em várias cidades, a concorrência é aberta. Ganha
 o usuário, que pode escolher qualquer uma das empresas, diminuindo o 
tempo de espera nas paradas. O teresinense precisa de um sistema que 
multiplique as opções de transporte, e não um sistema que o faça refém 
de uma única linha monopolizada por uma divisão em cartel.
4)
 As vans, quando implementadas em fins dos anos 90, foram impedidas de 
circular na mesma linha dos ônibus. O SETUT isolou as vans em trajetos 
marginais de pouca circulação de pessoas para que tais vans não tomassem
 os passageiros dos ônibus. Se as vans circulassem na mesma linha dos 
ônibus, os usuários teriam mais opções e isso também reduziria o tempo 
de espera. Mas a prefeitura não contraria jamais os interesses dos 
empresários financiadores de campanha, e o usuário sofre com isso.
5) A média de espera por um ônibus em Teresina é de 20 minutos. Este é o tempo mínimo em geral.  Pode
 chegar de 40 a 60 minutos em determinadas linhas. Há um índice chamado 
IPK (índice de passageiro por quilômetro). O IPK de Teresina é 
altíssimo, o que significa que o usuário viaja em ônibus lotado, em pé, 
sem ar condicionado, espremido numa lata de sardinha. Quanto maior o 
IPK, maior o lucro do empresário, maior o desconforto do usuário. Em 
verdade, andar de ônibus em Teresina é desumano. Não há paradas com 
sombra na maioria dos pontos de ônibus, os motoristas e cobradores são 
uns cavalos batizados mal-educados, os passageiros se amontoam como 
podem. A Av. Frei Serafim, principal da cidade, não possui paradas 
minimamente confortáveis. Os usuários se protegem do sol com pedaços de 
papelão, na sombra perfilada dos postes mais próximos. Uma situação 
humilhante. Se tivesse concorrência entre as linhas o serviço 
melhoraria. Mas o Prefeito não quer concorrência, quer um mercado 
fatiado em cartéis proporcionalmente lucrativos para seus financiadores 
de campanha. Os vereadores idem.
6)
 Os empresários se queixam da meia-passagem para os estudantes, alegam 
que esta concessão baixa os lucros e os obriga a repassar o prejuízo 
para o preço da passagem regular. Para quem não sabe, a prefeitura paga 
adiantado o valor relativo à meia passagem estudantil aos empresários. O
 valor pago é fixo e não há risco de prejuízo. Caso o estudante não use 
uma ou mais passagens, seja porque expirou o prazo de uso, seja por 
outra razão qualquer, os empresários recebem o valor estipulado. Quando 
os estudantes vão ao SETUT comprar passagens, o valor somado de todas os
 passes já foi pago às empresas de transporte. Como já disse, trata-se 
de um pagamento adiantado.
7)
 Se formos comparar o serviço de transporte público de Teresina com 
qualquer outra capital brasileira, veremos que estamos num atraso 
brutal. Teresina foi a última capital do nordeste a ter integração. 
Agora temos uma falsa integração, com o absurdo intervalo de uma hora 
para reembarque, reduzindo a quantidade de paradas para impedir que o 
usuário usufrua do benefício. No Rio de Janeiro, por exemplo, estudantes
 de escola pública fardados não pagam passagem de ônibus, a integração 
vale por 24 horas e algumas linhas têm ar condicionado. Isto seria 
inimaginável em Teresina, porque aqui os prefeitos e vereadores só 
trabalham para atender a seus interesses privados e dos seus 
financiadores de campanha.
8)
 Todo cidadão teresinense sonha em ter carro ou moto para não depender 
de ônibus para se locomover. Atualmente, de cada três habitantes em 
Teresina, um deles possui carro. Esta situação se agravará mais ainda 
nos próximos anos. A solução para remediar os engarrafamentos é fazer 
com que o conforto e o preço do transporte público sejam suficientemente
 atrativos para que o cidadão prefira se locomover de ônibus e não de 
carro. Já é assim em Curitiba, por exemplo. Carro custa IPVA, multa, 
manutenção, gasolina e estacionamento. Ônibus não têm ônus.
Pela
 primeira vez em 30 anos, jovens e corajosos estudantes teresinenses, 
levados por uma magnânima consciência democrática, resolveram agir e 
lutar por uma cidade melhor, mais justa, onde os cidadãos tenham voz. 
Teresina se recusa a ser servil e acomodada diante de um elite 
espiritualmente velha, autoritária e anti-democrática. Esta será uma 
cidade de todos. Ocupemos as ruas. Porque a "A barricada fecha a rua, 
mas abre a via".

Comentários