[Halan Silva]
Talvez o melhor conto de Os dublinenses (Dubliners-1914), do escritor irlandês James Joyce (1882-1941), seja Os mortos. O cineasta John Huston (1906-1987), já bastante debilitado, o transformou em filme: The dead (1987), que em português recebeu o título Os vivos e os mortos. Como no artigo anterior, volto ao universo literário de James Joyce para tratar de um assunto alheio à temática de Os dublinenses - a situação atual da literatura piauiense.
Em 1952, ano do centenário de Teresina, o poeta H. Dobal (1927-2008) escreveu um livro de crônicas denominado Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina.
Com exceção do autor, ninguém àquela época se interessou pela obra.
Após peregrinar por diversos Estados brasileiros, pela América do Norte e
por alguns paises do continente europeu, o poeta retornou para
Teresina. Na bagagem, trouxe os originais do Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina,
que guardou consigo durante cinqüenta anos. De posse desses originais, o
professor Cineas Santos (1948), após acatar uma sugestão do cartunista
Albert Piauí, os editou em folhetim no Jornal da Manhã (graças ao
empenho incondicional do jornalista Kenard Kruel). Finalmente, em 1992,
com o apoio do prefeito de Teresina, o ex-deputado Heráclito de Sousa
Fortes (1950), o professor Cineas Santos conseguiu colocar o Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina no pacote editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.
A
sociedade é devedora insolvente dos escritores piauienses. O Estado e
os Municípios, esses com raríssimas exceções, não adquirem livros de
nossos escritores para o acervo das bibliotecas ou para as escolas da
rede pública. As escolas privadas não costumam adotar obras de autores
locais e as livrarias, salvo a Livraria Nova Aliança, mantêm sérias
restrições para comercializá-las. No que concerne às edições, lamento
informar que o Projeto Petrônio Portella, apesar do que esse nome
representa, acabou. A Fundação Cultural Monsenhor Chaves anda
claudicando, já não edita como nos tempos do professor Raimundo Wall
Ferraz (1932-1995). No setor privado, após o fim da Editora Corisco, da
morte do professor Marcílio Flávio Rangel de Farias (1956-2006) e da
saída do professor R. N Monteiro de Santana (1925), as edições sofreram
um baque. Recentemente apareceu por aqui um livreiro cearense, de
Juazeiro do Norte, Leonardo Dias da Silva que, incentivado pelo
romancista Assis Brasil (1930), fez um esforço tremendo e editou uma
porção de escritores piauienses contemporâneos (além de tratar com
respeito os nossos escritores). A ideia dele era levar os autores
piauienses às escolas, mas elas se mostraram refratárias, apesar do
currículo ser flexível. Tristeza: ele confessou que vai encerrar sua
atividade de editor. A Academia Piauiense de Letras parece estar
mergulhada num sono letárgico. Não publica a contento e não demonstra
ter uma política definida em favor de nossa literatura. O conselho
Estadual de Cultura, nesse quesito, especificamente, parece viver nos
melhores dias de marasmo. As universidades, UFPI e UESPI, há anos
estudam dois ou três autores e nada mais fazem. Nossos parlamentares são
ocupados demais para perder tempo com cultura e educação. Por fim, como
se não bastasse, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) desferiu o
tiro de misericórdia na literatura piauiense, que foi banida do
“vestibular”. Por outro lado, o ENEM deu um basta nos famigerados
resumos que instrumentalizavam, banalizavam, negavam aos estudantes
incautos a remota possibilidade conhecer de perto a literatura
piauiense. Desamparados, os exploradores de resumos passaram a explorar
os mortos publicando obras que caíram no domínio público, menos mal.
No
artigo anterior afirmei com pertinácia que o requisito primeiro ou
último para ser um autor bem sucedido no Piauí era ser aclamado e/ou
premiado nos grandes círculos literários do país. Desfaço em parte a
assertiva, pois um dos nossos melhores contistas contemporâneos resta
ignorado no Piauí (a situação está ficando pior). Refiro-me ao escritor
parnaibano Carlos Alberto Castelo Branco (1944), autor de Essas abomináveis criaturas de Deus (1989); de A máquina de pensar bonito, contra o medo que o medo faz (1986), prêmio Instituto Nacional do Livro, de 1984, para literatura infantil; de O pai que virava bicho
(1986), prêmio Monteiro Lobato, 1985, da Academia Brasileira de Letras.
Portanto, o pior lugar para os escritores piauienses é o Piauí.
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