Na língua em que Algo ou Alguém me escreve


Nota-se nos prólogos e epílogos de Borges a seus livros de poemas reiteradas desculpas. Seja por “excessos barrocos” e “asperezas” ou pelos poemas terem algo de “ostentoso e público”, seja por referir-se a eles como os “exercícios deste volume” ou por atestar a “monotonia essencial desta miscelânea”. De qualquer forma, o escritor não deixa de confessá-los frutos de “manejo consabido de algumas destrezas”, uma ou outra “ligeira variação” e “fartas repetições”.

Mais do que uma captatio benevolentiae ou uma afetação de humildade para produzir a simpatia do leitor, talvez Borges estivesse certo. Se isolarmos o poeta do ficcionista e do ensaísta, muita coisa se perde. Se é possível dizer assim, sua grandeza está mais nestes dois gêneros do que naquele. Borges é o tipo de autor que precisa ser compreendido em sua totalidade para ser admirado em suas partes. É autor de uma obra, não de peças literárias avulsas. Nesse sentido, pertence àquela família de grandes escritores de diversas obras, não de bons escritores de uma única obra. Dificilmente um autor se mantém equânime em três gêneros diferentes. O Cervantes poeta difere drasticamente do autor do Quixote e de Trabalhos de Pérsiles e Segismunda. E aqui penso, sobretudo, em outro cultor das claras aventuras da lucidez, admirado pelo escritor argentino: Paul Valéry. Notadamente autor do Cemitério marinho, poucos não o reconhecem melhor como ensaísta.
 
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