RETRATO DE COPACABANA
A Ferreira Gullar
.
No fim da tarde,
a praia é tomada pelo descanso dos pombos.
(De ritmo e negro,
esta cena é o trabalho
dos vazios da tela.)
A areia acende o espelho
que a luz deposita em cada ave.
Imitam lanternas
seus reflexos indefiníveis, e carregam,
na direção que apontam, o arco da praia,
a máquina crepuscular da antiga hora.
Os pombos na areia
medem o pulso do
estômago do escuro. Vistos de longe,
são a explosão da pupila no movimento do branco.
Na calçada alguns abandonam
o bando, perseguem as fêmeas, fustigam
o chão riscando intenções, e num salto de caça
encontram na cópula
o instinto da fuga que subvertem.
À chegada da noite, os pombos exibem
a coreografia do espanto, e o vôo é um leque
sobre o peito pálido da areia.
A PROA DE RODIN
A vida nos devora com seu ímpeto de engenho
nos beija o tempo que declara sono em tudo
como um rebanho que carrega panelas
sorrimos e somos felizes
cavamos escadas com os ossos que buscamos
os joelhos da noite sobre as tábuas do mar
eu sonho com lençóis desfeitos em plantações
buscamos o calor do óbito das ovelhas
um poste aceso na noite silêncio que chama o dia
a minha envergadura é propícia a reflexões
tenho o gesto dos postes altos acesos ao meio dia
UMA BELA SURPRESA POÉTICA!
[por Alfredo Werney]
Raríssimo encontrarmos um sebo em Teresina, mas raro ainda nos
depararmos com bons livros de poesia que não façam parte dos cânones
tradicionais. No entanto, deparei-me, recentemente, com uma bela
surpresa. Em meio a tantos livros de escritores locais medíocres,
folheei Os ritmos do fogo, da autoria de um desconhecido poeta
(pelo menos para o meio cultural em que convivo) de Pernambuco chamado
Weydson Barros Leal. Olhei vários poemas durante um bom tempo e me
surpreendeu o fato de não ter compreendido absolutamente nada daquele
comboio de imagens (com um toque de surrealismo) estranhas e
aparentemente desconexas. Mas se dizem que compreender o fenômeno
artístico não é o mais importante, então a experiência foi de grande
valor pelo deleite estético que me proporcionou. Lembrei-me dos
formalistas russos, em especial de Roman Jakobson, que nos disse que a
diferença entre um texto literário um não-literário é o estranhamento que ele provoca no leitor.
Não sou muito aberto a novidades poéticas. Um grande amigo já me
dissera, com certa razão, que uma boa biblioteca de poesia não deve
ultrapassar duas prateleiras. Mas, confesso que pela primeira vez
comprei um livro de poemas de um autor que eu nunca ouvira falar nada a
seu respeito. Pude ver, já nas primeiras leituras, que o jovem
pernambucano não é um escritor de associações fáceis e nem de uma
musicalidade que se nos mostra claramente. Trata-se de uma linguagem
depurada e ao mesmo tempo deslumbrante. É uma poesia que exige cautela
de quem a observa, mas que atinge nossos sentidos – tanto pelo seu
“falar desconcertante”, como pela estranheza de suas imagens – antes
mesmo que tentemos compreender suas operações formais. Aliás, podemos
sugerir que Weydson Leal é um poeta da imagem, embora a camada
fônica de sua poesia – avessa à plasticidade e a exuberância musical dos
simbolistas – seja também rigorosa no seu aspecto formal. Poderíamos
dizer que se trata da poesia que atravessa os nossos sentidos sem nos
conduzir diretamente ao inteligível, como a de Rimbaud.
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