Publicado em 1875, O Sertanejo
não consta como obra fundamental de José de Alencar, sendo por diversas vezes
tido como um de seus romances menos expressivos, sobretudo se observarmos que Senhora, uma de suas obras antológicas,
foi publicado no mesmo ano e, provavelmente, tenha recebido do autor um apuro
literário muito maior, característica bastante relevante se, ao cotejar as duas
obras, observássemos a arquitetura coesa e equilibrada da trama de Senhora em contraposição ao ritmo
descompassado e, por vezes, deveras artificioso na condução narrativa de O Sertanejo.
Além das duas obras, o ano de 1875 também testemunhou a publicação de A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães,
e, em Portugal, que já conhecera o Realismo através da Questão Coimbrã há cerca
de dez anos, Eça de Queirós levou a público seu polêmico romance O Crime do Padre Amaro. Era evidente que
o colapso do Romantismo já estava em plena vigência e, após O Sertanejo, apenas os romances O Cabeleira, de Franklin Távora (que
segue o filão regionalista), Helena,
de Machado de Assis, (ambos de 1876) e Iaiá
Garcia, também de Machado de Assis (1878) são tidas com um mínimo de
consenso como romances românticos que apresentam alguma relevância, sendo que
todos revelam-se como obras híbridas, entre a idealização marcante da estética
anterior e uma preocupação crítica e social que só iria se resolver com o
advento do Realismo e do Naturalismo. O fato de Senhora e O Sertanejo
constituírem as duas últimas obras que José de Alencar tenha publicado em vida
torna o colapso romântico ainda mais marcante, pois corresponde ao ocaso de um
dos autores fundamentais para a estética em questão.
Se, após a independência política do Brasil, o Romantismo utilizou a
figura do indígena como elemento de distinção entre Brasil e Portugal, o
regionalismo de José de Alencar pode ser visto como um desdobramento desse
elemento de distinção, uma vez que seus personagens cumprem funções simbólicas
semelhantes ao papel destinado pelo autor a Peri, Ubirajara e Iracema,
protagonistas de seus romances indianistas, calcados em lendas e mitos, quase
sempre de origem do país, e, em seus heróis regionalistas, encontramos a
sedimentação de um tipo distinto dos citadinos europeus que constituíam-se como
a visão mais recorrente da vida européia, transplantada para algumas cidades
brasileiras, notadamente o Rio de Janeiro (palco da maioria dos romances
urbanos) em franca oposição a um modo de vida rude e fortemente vinculado ao
solo em que vive, assim como impregnado pelas lendas que os vastos campos pouco
habitados costumam engendrar. Parecia ser, acima de tudo, uma busca por alguma
essência do ser brasileiro escondida nos sertões.
Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará, no dia 1º de maio de 1829. A
partir de 1857, com a publicação dos folhetins de O Guarani, torna-se um dos mais importantes romancistas
brasileiros. Escrevendo para um público leitor que paulatinamente formava-se no
país, é importante lembrar que o Romantismo brasileiro não foi, em sua gênese,
necessariamente, porta-voz da expressão de uma sociedade burguesa, como ocorria
na Europa, posto que a elite política e econômica brasileira da época, a quem
dispunha de tempo e recursos para ler e influenciar a produção
artístico-cultural em questão, era predominantemente composta por exportadores
de produtos agrícolas, e seus familiares, que, buscando ampliar sua influência
nas decisões governistas, estabeleciam-se nos centros urbanos. A distância
entre essa classe rural dominante e o ambiente citadino dos grandes centros
era, no século XIX, bem menor que comumente se costuma supor. Entretanto, a
coexistência com transformações e incipientes dinamismos urbanos apresentava-se
como um processo inevitável a cada novo ano, como as assinaladas em 1880 por
Joaquim Manuel de Macedo em Memórias da
Rua do Ouvidor. Note-se também que, no ano seguinte, 1881, neste mesmo Rio
de Janeiro, Machado de Assis publicaria a obra inaugural do Realismo no Brasil,
Memórias Póstumas de Brás Cubas, que
já circulava em folhetim desde 1880.
Tais transformações não interessaram ao Alencar de O Sertanejo. Seu posicionamento em relação à antítese entre campo e
cidade, entre a “virtude primitiva” contraposta ao ímpeto civilizatório, é
inequívoca, pois em sua obra regionalista, tão afeita ao mito do “bom selvagem”
e da natureza hospitaleira, o elemento rural telúrico seria visto com a afeição
de um paraíso terrestre onde, “sob expressões do poder criador”, o homem, o
autor e suas criaturas engendram a fábula de suas raízes.
[Publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 16 de novembro de 2011]
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