Na sabedoria popular aprendemos que ”Um aboio mal dado / Bota a perder uma
boiada”. Pois bem, aboio é coisa séria.
Damos conta de dois tipos de aboio no
Piauí: O aboio pé-de-serra – cantado
praticamente sem versos, começando com “ê
boi”, daí segue um vocalize de notas semitonadas que muito lembram as
melodias orientais, misto de lamento, desabafo e canto. No aboio com repente, o vaqueiro canta em versos, geralmente sextilhas
da tradição oral, loas e rompantes memorizados nas conversas dos caboclos ou
mesmo estrofes de cordel decoradas. Há também aqueles que criam na hora, como
fazem os cantadores de repente na viola.
Luiz Gonzaga é certamente um dos
maiores divulgadores dos valores sertanejos que exaltam o aboio. Dentre muitas
das suas canções, podemos citar A Morte
do Vaqueiro, em parceria com Nelson Barbalho, de 1963, música que se tornou
símbolo da missa do vaqueiro no nordeste. Começa com um aboio: Êh! Gado, ôi! Êh! êh! êh! êh! / Numa tarde
bem tristonha / Gado muge sem parar / lamentando seu vaqueiro / Que não vem
mais aboiar (...). Citamos ainda Aboio
Apaixonado (1956) e Aboios, em
parceria com Onildo Almeida, de 1992.
Na canção intitulada Piauí, de 1952, o Rei do Baião cantou os
versos do piauiense Sylvio Moacir de Araújo: O vaqueiro do sertão / Que faz do aboio uma canção (...)
Ai, ai, ai, ai / Que
saudades do Piauí / Ai, ai, ai, ai / Qualquer dia estarei por ai (...).
Neste canto especial do vaqueiro do
sertão encontramos mais do que um meio eficaz de comunicação entre o homem e o
gado. O aboio é uma forma de relaxar do cansaço, é a maneira mais prática que o
sertanejo tem de entrar em contato com seu interior, de acalmar a alma,
dissipar as emoções, harmonizar-se com seu ambiente na labuta do seu dia-a-dia.
Além de instrumento de
animação, estímulo, força para enfrentar os desafios, referência de localização
para a vaqueirama na mata, o aboio misticamente soa como uma materialização do
arauto, aquela forma de oração em poucas palavras, característica essencial
para se conhecer um vaqueiro de verdade. O aboio é o que tem a dizer o
vaqueiro.
Agora lembro como é simples e rápida a
resposta de um bom vaqueiro. Na ocasião o vaqueiro perguntou ao cidadão
estudado:
_ Doutor, qual é nossa missão aqui
na terra?
O doutor divagou respondendo:
_ É... De acordo com a vocação de
cada um, a missão depende da pessoa...
_ Não, doutor, acudiu o
vaqueiro, nossa missão aqui na terra é
uma só: fazer o bem. O resto a gente faz se der tempo.
Outra. Dessa vez foi a
repórter da televisão:
_ Seu Hermógenes, como é que faz
pra ser o primeiro a pegar o boi na mata?
_ Minha filha, é só não ter juízo
e correr sem medo...
Êh! Gado, oi! Êh! Êh! Êh! Êh!
*Vagner Ribeiro é músico piauiense e pesquisador da cultura popular.
vagnerribeirol@yahoo.com.br
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