[por Wanderson Lima]
Um dos aspectos que mais notabilizam o desenho Os Padrinhos Mágicos (The Fairly OddParents) – criado por Butch Hartman em 2001 e exibido no Brasil pelas emissoras Nickelodeon e Globo – é a imagem da solidão da infância que se constrói no contrapelo das promessas de um ter-tudo proporcionado pela magia ou pelo sonho de possuir pais a um só tempo atenciosos e permissivos.
A história de Os Padrinhos Mágicos é, bem pensada, uma fábula da necessidade de assunção de ser o que somos; é um desenho que diz à criança que ela precisa crescer, e que nesse crescimento não terá ajuda nem dos pais nem poderes mágicos (pois eles, na verdade, só atrapalham). Timmy Tunner, o garotinho protagonista das aventuras, com seus dentes frontais salientes, seu exótico boné rosa, seus pais desvairados, sua babá desumana, seu professor sádico, sua paixão não correspondida por Trixie, é provavelmente um dos personagens mais desamparados do desenho animado. Os adultos que ali estão são, mesmo quando movidos por bons sentimentos, mais infantis que as crianças, isto é, mais egocêntricos e inconseqüentes. Apenas Timmy e a fada madrinha Wanda constituem ilhas de sensatez num mundo que, não obstante o humor, possui um arsenal invejável de criaturas perversas ou imaturas. Não que Padrinhos Mágicos sejam uma animação de atmosfera densa, longe disso. Seu padrão é tão americanamente o da derrisão e o da sátira social que muitos poderão achar tratar-se de mais um desenho alegre e não perceber a dissociação radical entre a representação burlesca dos fatos e o drama interior da criança solitária.
Butch Hartman e sua equipe, em vez de optarem pela crítica ácida e direta, à maneira, por exemplo, de South Park, preferem brincar com as representações tacitamente aceitas nos meios urbanos desenvolvidos dos papéis sociais desempenhados por crianças, país, babás e professores. Sinto-se tentado a chamar isso de inversão paródica, mas a verdade é que não há grandes exageros nessa “brincadeira”. Na verdade, os criadores nada mais estão fazendo que copiando, com muita graça, a vida das camadas média e alta das grandes e médias cidades pela ótica das crianças. Os pais de Timmy não diferem muitos dos casais bobões e imaturos, sem uma escala de valor própria e sem qualquer autoridade, que precisam se socorrer nos braços da Supernanny e de sua pedagogia behaviorista. Timmy é o nerd pós-moderno que tem que se virar entre a pusilanimidade e a puerilidade dos pais e o sadismo da babá (Vicky, a pobreza frustrada) e do professor (Crocker, o intelectual médio que não amadureceu e inveja as crianças).
Mas o problema é que Timmy não tem a sagacidade do trickster, tão comum nos desenhos de meados do século XX, aquela sagacidade que faz com que o pequeno malandro que é o Pica-Pau sacaneie com os grandalhões que o perseguem. E é neste ponto que entram os padrinhos mágicos Cosmo e Wanda. Se formos um tanto céticos, podemos dizer que Cosmo e Wanda não passam de uma fantasia compensatória engendrada por Timmy a fim de não pirar num mundo de adultos doentios e irresponsáveis. Mas, mais interessante ainda, é aceitar o jogo e tentar ver o que nos propõe Butch e sua equipe ao retomar essas conhecidas figuras míticas. Os padrões mágicos, nesse desenho, “substituem” os pais relapsos e provocam uma revolução na ordem do mundo de Timmy: a lei lógica dá lugar à lei mágica, e o mundo passa a ser projeção da vontade num nível que a metafísica schopenhaueriana não poderia prever. Mas a vontade, como alertaram os budistas e Schopenhauer, é tirana e não garante felicidade alguma. Timmy vai de pedido em pedido se perdendo mais e mais até que é obrigado a retornar ao ponto zero. O mundo volta a ser tal e qual e Timmy continua a ser o garotinho solitário e oprimido que sempre foi. Alterar a ordem do mundo é bobagem; confiar nos pais não é possível. Doa o que doer, o destino de Timmy é crescer autonomamente. Sem painho e mãinha; sem poderes sobrenaturais. Mas enquanto ele não cresce – enquanto ele acumula desventuras sem absorver lições profundas –, vale à pena acompanharmos essa sátira impagável aos adultos e seu mundo ridículo, que é também uma ode à imaginação das crianças solitárias.
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