Breves anotações ao pé da página






Quando Todos os Acidentes Acontecem, Manoel Ricardo de Lima
[Rio de Janeiro, 7Letras, 2009]

A experiência poética a que se propõe Manoel Ricardo de Lima volta-se para a incompletude lacunar, para o verso inconcluso, criando assim um livro que permeia a execução de uma proposta poética definida, e não uma coletânea de poemas de feições diversas. O desafio, entretanto, é o mesmo de qualquer criação artística: definir o que deve ser revelado, o que deve ser descartado e, sobretudo, o que deve ser insinuado. A partir disso, qualquer proposta que sustente a construção de um livro de poemas perde a sua função diante do poema em si, que, quando relevante, dispensa o próprio processo que levou à sua realização. Felizmente, os versos desse piauiense radicado em Santa Catarina enfrentam o desafio com boa desenvoltura, como se pode constatar através de poemas como areia; esboço; sim, uma dança; e piauí, apesar do inevitável risco de reduzir sua gênese à criação de acidentes programados, com hora marcada para acontecer.

Chico Buarque, histórias de canções, Homero Homem
[São Paulo, Leya, 2009]

Homero Homem, organizador do site de Chico Buarque, reuniu as diversas histórias que permeiam as composições de Chico Buarque de Hollanda, das primeiras incursões às produções atuais. Um painel interessante, com inúmeras curiosidades, mas carecendo de um fio condutor mais bem trabalhado, que pudesse sustentar o interesse e a curiosidade do leitor do início ao fim. Fica patente as limitações de Homero Homem como escritor à medida em que nos aproximamos dos mais recentes álbuns de Chico; longe das escaramuças com os censores e a ditadura, parece faltar ao autor matéria prima para manter o fôlego de sua escrita. Mas enfim, a música compensa.

Concerto para Arco e Flecha, Virginia Boechat
[Rio de Janeiro, Oficina Raquel, 2008]

Uma das gratas promessas para a poesia brasileira neste início de século, a mineira Virginia Boechat, radicada em São Paulo, estréia com um livro coeso e pungente, repleto de um lirismo desconcertante que remete a grandes poetas lusos, como Sophia de Melo Brayner Andresen; uma de suas influências evidentes. Para as letras brasileiras, diria que é uma vertente necessária e bem-vinda. Destaco, dentre outros, os poemas Quando menos se espera, Tua morte no meu dia, Carta da baía e Eu menti.

Caim, José Saramago
[São Paulo, Companhia das Letras, 2009]

Concordando ou não com as opiniões e pontos de vista de Saramago, há de se convir que sua escrita permaneceu primorosa e justifica a leitura de qualquer de suas obras. Essa alegoria do ser humano contra seu criador, no caso, o Deus apresentado no Gênesis e personificado por Saramago no romance em questão. De Adão e Eva no paraíso a Noé e sua arca no dilúvio, o desafortunado Caim vaga no tempo em constante desaprovação das obras do Senhor, que nesta obra mais se assemelha a um demiurgo incapaz de conviver com sua própria e imperfeita criação.

Cinzas do Espólio, Ivan Junqueira
[Rio de Janeiro, Record, 2009]

O poeta e ensaísta Ivan Junqueira reuniu em Cinzas do Espólio uma série de ensaios dispersos, com pouca ou quase nenhuma unidade entre si. Porém, mesmo entre prefácios e palestras, ainda é possível vislumbrar a competência do escritor, principalmente nos textos sobre a poesia brasileira no final do milênio, sobre o D. Quixote, sobre a tradução poética e no comovente depoimento à respeito do genial Otto Maria Carpeaux.



[Publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 18 de outubro de 2011.]

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