“Sou um artesão e Edições Nephelibata é o nome que designa de forma genérica o artesanato que eu faço.”



Entrevista com o editor Camilo Prado




Camilo Prado (1969) nasceu em Santa Catarina; depois de diversas ocupações e ofícios normais, tais como bancário, servente de pedreiro e professor, criou em 2001 as Edições Nephelibata, especializada em edições de livros artesanais. É também tradutor, do francês e do espanhol, e autor de alguns livros de contos: Nefas (2004), Uma Velha Casa Submarina (2005), Pulcritude (2006). Encontra-se às vésperas de defender doutorado em Literatura, na Universidade Federal de Santa Catarina, com tese em tradução da obra Tribulat Bonhomet de Villiers de L’Isle-Adam. A entrevista completa será publicada na edição nº 9 da revista eletrônica dEsEnrEdoS a ser veiculada em abril. 


Adriano Lobão Aragão - A divulgação e distribuição consistem um grande desafio para quem se propõe a editar livros, mesmo com a popularização da internet?
Camilo Prado - Não creio que seja um grande desafio no momento. Já foi. Hoje a internet nos possibilita alguma igualdade na divulgação e distribuição. Tanto é que tenho vendido livros para várias cidades diferentes em quase todos os estados do país. Qualquer pessoa no Rio Grande do Sul, Piauí ou no Maranhão pode, via internet, adquirir com a mesma facilidade um livro da Cia. das Letras, por exemplo, quanto um da Nephelibata. Há vinte anos atrás isso não seria possível, mas hoje é inevitável. Em qualquer livraria que você entra, o funcionário vai direto ao computador e, normalmente, responde: “Não temos na loja, mas em duas semanas chega”. Creio que as livrarias irão desaparecer em breve. Porém, eu tenho um pequeno problema com vendas à distância por conta dos livros serem artesanais. Normalmente as pessoas imaginam alguma coisa mal feita. É curioso. Por séculos os livros foram feitos artesanalmente e apenas algumas décadas nas mãos das máquinas bastaram para que as pessoas se tornassem desconfiadas da qualidade de um livro artesanal. Por conta disso retirei da página a informação de que é artesanal, e algumas pessoas ao receberem o livro e descobrirem que é artesanal, que é numerado, etc., ficaram um pouco emocionadas e me escreveram elogiando. Isso é gratificante. Se elas tivessem comprado o livro em uma livraria nunca me teriam escrito para dizer que gostaram do “material”.

Adriano - Como é definida a linha editorial da Nephelibata?
Camilo - Não há exatamente uma linha editorial definida, para além do objetivo de publicar literatura e filosofia. Procuro apenas publicar textos de qualidade, confiando nos autores e/ou tradutores. Mas isso no fundo é muito relativo. Como se sabe, os gostos estéticos e filosóficos são muito diversos. Por algum tempo a Nephelibata teve uma “comissão editorial”, mas não funcionou muito bem. O fato dos livros serem artesanais e de ser eu sozinho que os faço tornou a coisa inviável. Tenho uma relação muito íntima com os livros. Eu os manufaturo um a um, é impossível pensar a coisa como uma editora, ou seja, como uma empresa onde haja reuniões e decisões de conjunto. Não tenho o menor ânimo de ficar costurando 50 exemplares de um título que me desagrade só porque irá vender ou porque uma “comissão”, mesmo que composta por amigos, chegou à conclusão de que é algo bom. Sou criticado por isso, mas não me importo. É fácil dizer o que se deve fazer quando não é você quem faz. Mas apesar das críticas creio que na diversidade de títulos publicados até agora pode se entrever alguma linha mais ou menos definida. E por outro lado, demonstra bem o quanto posso ser eclético e elástico. Mas não descarto a possibilidade de qualquer dia me decidir, para dar razão às críticas, a transformar a Nephelibata em uma editora exclusivamente dedicada aos mortos do século XIX.

Adriano - Em que aspectos seu trabalho como escritor mistura-se com o de editor?
Camilo - Eu diria que em todos os aspectos. Por publicar meus próprios livros e traduções tenho sido motivo de críticas constantes. Dizem-me: “é fácil publicar um livro quando se tem uma editora!”. Mas a coisa é inversa. É por escrever, por traduzir que comecei a fazer livros. Há dez anos atrás tentei formar um grupo, queria criar uma editora. Mas acabou não dando certo. Não desisti da idéia; os amigos, mesmo continuando a me apoiar, tomaram certa distância e então fiquei sozinho. Tudo o que eu tinha era uma caixinha de papelão com dez disquetes e a cabeça cheia de sonhos. Meu primeiro computador eu ganhei cerca de três anos depois. Viam-me, com alguma razão, como um lunático que sonhava com uma editora mas que não tinha nem uma folha de papel para escrever. Eu digitava os futuros livros na casa de amigos, em laboratórios de informática na universidade; os primeiros livros foram em xérox; depois a mãe de um amigo custeou a compra de uma impressora, mas como eu não tinha computador, ia até a casa dele para trabalhar: três ônibus para ir, três para voltar. Enfim, eu agia como um Dom Quixote. Comecei a fazer livros entre o riso e a caridade dos outros. E o que me mantinha e me mantém ainda é a literatura, minha escritura e minhas traduções — por pior que as possam considerar — não a “editora” ou a “publicação”. Mais recentemente fui, faustianamente, vender minha alma para a universidade em troca de uma bolsa de estudos. Foi o que me possibilitou adquirir o mínimo necessário para manter a Nephelibata viva nos últimos quatro anos: um melhor computador, impressoras, uma guilhotina. Na verdade, é somente agora, neste ano de 2011, que começo a poder trabalhar com um mínimo de material necessário para a manufatura de livros dentro da minha casa (alugada). E, no entanto, foi em péssimas condições de trabalho e com material ruim que consegui dar a Nephelibata o respeito que tem atualmente, inclusive no chatérrimo meio acadêmico. Então, toda a persistência — e resistência às intempéries da vida — deve-se ao fato de eu gostar de literatura, de escrever e traduzir autores que me agradam e querer transformar isso em livros. Que eu publique o livro de outros é conseqüência disso. Alguém já me perguntou, sarcasticamente, qual era a diferença entre a Nephelibata e eu. E a minha resposta não podia — e não pode — ser outra: “a Nephelibata é uma obra minha”. É isso, talvez, que a diferencia das editoras. E eu não me canso de repetir: “a Nephelibata não é uma editora”, “eu não sou uma empresa”. Sou um artesão e Edições Nephelibata é o nome que designa de forma genérica o artesanato que eu faço. E isso faz parte do universo literário que vivencio diariamente, de meus fantasmas, de minhas leituras, etc.




[publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 22 de março de 2011] 

Comentários

Anônimo disse…
Camilo Prado é um escritor talentosíssimo. Seus textos têm precisão e profundidade. É um artesão da palavra bem posta, bem resolvida e de alvo definido. Como editor não se furta em nos trazer, em nos presentear com escritores tão ímpares e essenciais que nos sacodem, nos transtornam, nos inebriam e que nos diferenciam. Vida longa à Camilo Prado...Vida longa à Nephelibata
Sérgio Murilo Batista
Itajaí / Santa Catarina