Adriano Lobão Aragão e Herasmo Braga
entrevistam Rita Dahl
Durante o mês de outubro de 2009, entrevistamos via e-mail a poeta finlandesa Rita Dahl. Autora de diversos livros de poemas, organizadora de antologias, atua de maneira constante na divulgação da poesia finlandesa em Portugal e no Brasil, através de coletâneas. Também realiza o caminho inverso, divulgando poesia portuguesa na Finlândia. Para nós, ficou a sensação de que a verdadeira pátria de Rita Dahl é, acima de tudo, a Poesia. Sem fronteiras.
Durante o mês de outubro de 2009, entrevistamos via e-mail a poeta finlandesa Rita Dahl. Autora de diversos livros de poemas, organizadora de antologias, atua de maneira constante na divulgação da poesia finlandesa em Portugal e no Brasil, através de coletâneas. Também realiza o caminho inverso, divulgando poesia portuguesa na Finlândia. Para nós, ficou a sensação de que a verdadeira pátria de Rita Dahl é, acima de tudo, a Poesia. Sem fronteiras.
Adriano Lobão Aragão
Herasmo Braga
Herasmo Braga
Adriano - Como surgiu esse interesse pela poesia portuguesa?
Rita - Surgiu primeiramente por ler uma seleção de poemas de Fernando Pessoa traduzida para finlandês e chamada "Hetkien vaellus". Essa seleção data dos anos 70, e temos uma outra, "uppdated", mais extensa seleção de sua poesia feita pelo mesmo tradutor. Gostei especialmente da existência e identidade vaga dos todos heterônimos, que nos faz perguntar questões fundamentais sobre a sua existência. Depois estudei a língua e a cultura portuguesa na universidade de Helsinguia e na Universidade Clássica de Lisboa. Decidi fazer a minha outra licenciatura (Master´s Thesis) em Literatura Comparada (já fiz uma outra em Ciências Políticas) sobre “O mito romântico e modernista de Pessoas heterônimos”.
Encontrei a literatura portuguesa quando estive em Lisboa e em setembro saiu a minha primeira tradução em forma de livro – uma seleção dos poemas de Alberto Pimenta traduzidos e escolhidos por mim. Estou também a traduzir uma antologia da poesia contemporânea portuguesa que inclui 10 poetas, começando do poeta mais velho, Eugénio de Andrade, até o mais jovem, Daniel Faria. Há muito a descobrir na literatura em português para o público finlandês que conhece só Pessoa, Saramago.
Participei do Encontro Internacional de Poetas em Coimbra no ano 2007 e encontrei o poeta e editor Márcio-André, para quem estou a editar uma antologia da poesia jovem finlandesa, com 10 poetas. A antologia sairá em 2010. Os meus próprios poemas saíram em revistas e antologias literárias em Portugal, no Brasil e em diversas partes do mundo. Os meus poemas são traduzidos para 10 idiomas diferentes.
Adriano - E quais as maiores dificuldades no tocante à tradução de poesia em língua portuguesa para a língua finlandesa?
Rita - Tradutora tem que transmitir o conteúdo e forma em língua diferente em sintaxe e fonética. É impossível de manter a mesma estrutura em outra língua, e o poema muda também foneticamente. Em línguas românicas usa-se, por exemplo, preposições, que faltam completamente em finlandês. Em finlandês causes são colocados no fim de palavras. Faltam também artigos indefinidos e definidos. O poema fica uma outra obra de arte em língua diferente, com sua existência própria. Ultimamente, acho que o português é a língua românica mais difícil.
Adriano - No campo da poesia, o tradutor seria então um recriador? Um artista que desenvolve uma criação a partir de outra já existente?
Rita - Primeiramente, sou uma autora, não tradutora. Traduzir é um hobby para mim, e um meio muito bom de aprender uma língua estranha. Não acho de viver com traduções. Mas sim, acredito no conceito de tradução de Ezra Pound: ao tradutor há a liberdade de interpretar os textos numa maneira livre e pôr os significados que ela ou ele achar corretos. Mesmo os significados não intentos são aceitos no conceito de tradução de Pound. Mas eu não sou uma recriadora neste sentido, pois tento ter respeito para com o texto original em primeiro caso.
Adriano - Quais suas principais influências?
Rita - Eu tomo influências ao todo lado: a literatura, mas também as artes visuais, o cinema, o pensamento contemporâneo podem me influenciar numa maneira inconsciente. Também gosto da prosa com temas sociais. Por exemplo, José Saramago com suas histórias alegóricas que são sempre baseadas na realidade atual ou histórica. Mia Couto e seus contos mágicos e prosa baseada em realismo mágico me tomam bem. É possível encontrar realismo mágico em qualquer tipo de sociedade, mais racionais também. No fundo da racionalidade existe sempre a irracionalidade, a inconsciência e os sonhos.
Adriano - Poderia comentar como se deu o processo de criação de seu livro O Tempo dos Aforismos?
Rita - Este livro foi feito com ajuda do Google-generator, em página da internet de Leevi Lehto. Eu comecei com uma coleção de poemas muito modernista e quis estar completamente diferente nesta vez; estive um pouco frustrada com a reputação de poeta modernista, quando eu só queria estar nova em cada coleção. Saiu "O Tempo dos Aforismos" que inclui todos os tipos de registros de língua alargando dos registros mais baixos e cotidianos até os mais elevados. O poema é um grande poema que consiste de 80 páginas. O processo de escrita foi muito burocrático mesmo. Comecei com algumas palavras de pesquisa que me deram outras palavras, e às vezes inventei palavras da pesquisa eu mesma. O resultado é poesia social que assemelha-se aos textos de L = A = N = G = U = A = G = E - poetas nos Estados Unidos. O Google foi só um meio de obter este resultado, não algo que dominou o processo de criação.
Adriano - Nesse sentido, que outras experimentações poderíamos esperar de Rita Dahl?
Rita - A experimentação não pode ser valor em si próprio. Depois de “O Tempo dos Aforismos”, escrevi dois livros de poesia influenciados, por exemplo, pela “Language-escola”, mas estes livros também incluíram a matéria mais tradicional: poemas aforísticos, grandes poemas de prosa e poemas escritos em formas rígidas, como villanelle etc. O meu livro mais novo e ainda não publicado será um livro de poemas de amor, bastante tradicionais. Então, não é possível prever o que vai acontecer. Mas eu vou escrever um livro sobre poética e política, a minha própria também, especialmente em “O Tempo dos Aforismos”, e mais alguns outros livros também.
Herasmo - Quais as carências que a literatura passa em um mundo tão fragmentado?
Rita - A literatura em si mesma pode ser fragmentada também; o público não pode procurar "a consolação" da literatura que segue as suas próprias normas e princípios. Pessoalmente, acho que esta consolação não seja a função mais importante da literatura. A literatura pode funcionar como "simulacrum" da sociedade e ser tão fragmentada que a sociedade que nos circula. Então, quando a literatura real já não necessariamente oferece esta consolação tradicional, tem que ser procurada em outro lugar, por exemplo, na mídia.
Adriano - Há pouca divulgação da poesia finlandesa no Brasil. Além de sua obra poética, seria possível indicar quais outros poetas finlandeses contemporâneos merecem destaque?
Rita - Introduzi algumas nomes em meu dossiê publicado em número mais novo da revista de Confraria do Vento: por exemplo, a poesia feminista de Katariina Vuorinen, poemas quase mágico-realistas de Saila Susiluoto, e Juhana Vähänen, poesia psicológica que apanha os movimentos rápidos da mente em movimento. Estes são poetas mais jovens. Naturalmente, há clássicos modernistas como Sirkka Turkka, Eeva-Liisa Manner, Paavo Haavikko, que vale a pena de ler sempre. Poeta vanguardista Jyrki Pellinen, cujo perfil escrevi, é uma poeta muito original e variada também.
Herasmo - Será que para um autor hoje ser lido e consagrado deve passar pela exposição constante nos meios midiáticos, participando de feiras e outras atividades do gênero?
Rita - É uma boa pergunta e muito atual. A feira do livro de Helsinquía já começou hoje. Sim, o grande problema é a comercialização da literatura que se mostra especialmente em editoras grandes para quais a literatura é somente "business". Pessoalmente, acho que esta "globalização" não se alarga para a comunidade dos poetas que se concentra em sua criação, que se encontra em primeiro lugar para eles. Feiras do livro para escritores aqui são um evento social, uma possibilidade de encontrar outros escritores que não fosse possível cada dia.
Adriano - No Brasil, a poesia, sobretudo de autores recentes, costuma ser vista pelos editores como um produto de risco, devido à sua baixa venda de livros no país. Que relações o mercado editorial finlandês estabelece com a poesia?
Rita - Penso que a poesia é "jogar com o risco"; Charles Bernstein dizia que "poetry is the ultimate small business". O público consiste do pequeno grupo dos "connoisseurs". O novo fenômeno na Finlândia são "print-on-demand", editoras que fazem o mercado muito mais variado. (Na Finlândia, temos só 3 ou 4 grandes editoras, e o grande problema é que a mesma gente que lê e escolhe a poesia que vai ser publicada. Esta gente tem a mesma opinião sobre "a boa" e "a má" poesia. E a nova geração dos poetas finlandesas já tem esquecido esta valorização e rompem fronteiras da poesia tradicional e modernista. Por isso, muitos poetas jovens que seguem também "a poética de mal" publicam pelas editoras alternativas. Há uma comunidade muito ativa que trabalha com a poesia voluntariamente, sem pensar em ganhar dinheiro, e que querem pensar em questões mais teóricas também. Os poetas mais jovens são mais conscientes da sua poética que poetas da "geração do meio", que começaram a publicar nos anos 90. Estes poetas já estão estabelecidos e em posições muito conformes, mas a nova geração continua a sua luta, resistência pacifista, pelas suas palavras.
[publicada originalmente em dEsEnrEdoS número 02, novembro de 2009]
Comentários
Sim, a poesia é a minha verdadeira patria. Com a minha patria não se ganha muito, mas se vive uma vida ascética no sentido materialista e bem rica no sentido immaterialista. Vida rica e pobre para todos vocês tambem no tempo da globalizacão e crises climáticas. A igueldade social precisa que muita gente são preparados de renunciar das demandas do nível da vida bem elevado. Boa sorte às suas tentativas!
José Inácio Vieira de Melo