Pedras

[H. Dobal]

Estas pedras se gastam com o tempo.
Vão lentamente se desgastando
e o tempo lhes sobra para as lembranças
que não conservam. Acaso haverá
mais do que céu e sol mais do que pedra
desta seca paragem outra memória.
Aqui o céu é a lembrança mais bela.
O clarazul céu do Piauí e a destroçada
pedra simulação de ruínas
(onde os mocós se escondem)
onde somente as macambiras vingam.
Aqui os bois do agreste desgarrados
vêm pastar o silêncio e a calmaria
das tardes vêm ariscos ruminando
a lentidão dos dias o repouso
dos domingos espalhados na chapada.
Como outros bichos nos seus fósseis presos
também de pedra num momento quedam
quando a cabeça sobre as moitas param.

A paisagem de cinza devorada
e ruminada pelas cabras mansas,
e sobre as copas os despejados pássaros
por gaviões sonhados nas muralhas,
as copas onde os frutos se preparam
para a farinha e a fome desses dias.
E em nós a fome o perguntar calado:
desembestados cavalos cujo ímpeto
ou vôo articulado nestas pedras
na seca solidão jamais veremos.

O tempo gasta estas pedras
com mil artifícios repetidos.
Contra a pedra e o tempo nos afiamos
e em nós porfiamos estas lembranças
que se vão desgastando para nunca:
estas formas de pedra simulacra
de bichos ou de sonhos são perguntas
ao claro azul  às arenosas trilhas
que aceitamos aqui como os domingos
sem sucessão plantados na chapada.



[in O Tempo Consequente, 1966]

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