O curioso caso de Forrest Gump e Benjamin Button



[Adriano Lobão Aragão]



Diretor de alguns filmes antológicos, como Seven (Seven, 1995), Clube da Luta (Fight Club, 1999), Zodíaco (Zodiac, 2007), e sério candidato ao Oscar com seu recente trabalho, A Rede Social (The Social Network, 2010), o americano David Fincher realizou em 2008 uma adaptação de O Curioso Caso de Benjamin Button, conto de F. Scott Fitzgerald, publicado em 1922 no volume Tales of the Jazz Age. A perfeição estética orquestrada por David Fincher em O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008) chega a ser um caso à parte nessa película extremamente bem produzida, característica notória na obra cinematográfica do diretor. O apuro visual, a articulação milimétrica entre os processos de filmagem e montagem atestam a sobriedade e o comprometimento artístico-formal que balizam sua trajetória, provavelmente fruto de seu período de iniciação profissional no cinema, quando ingressou na Industrial Light and Magic, de George Lucas, e teve oportunidade de trabalhar em O Retorno de Jedi (Star Wars Episode VI: Return of the Jedi, 1983) e Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984), este último dirigido por Steven Spielberg. Além disso, a montagem ágil guarda resquícios de seu trabalho como publicitário e diretor de elogiados videoclipes de Madonna, Aerosmith e Paula Abdul, dentre outros, detentores de prêmios e listados pela MTV entre os 100 melhores do século XX. Então, após uma estréia conturbada como diretor de longa-metragem com o mal-sucedido Alien 3 (Alien 3, 1992), Fincher crava seu paradigma estrutural a partir de Seven, que o projeta a um novo patamar.

Mas, voltando a O Curioso Caso de Benjamin Button, além dos méritos técnicos, entre o elenco destaca-se a atuação sempre competente de Cate Blanchet. Mas, infelizmente, o que mais permeia o filme é uma incômoda sensação de “deja vu”, na qual diversas vezes a estranha existência de Benjamin Button parece um revival da jornada de Forrest Gump, o Contador de Histórias (Forrest Gump, 1994), que, aliás, foi escrito pelo mesmo roteirista, Eric Roth (em Forrest, contou com o auxílio de Charlie Peters e Ernest Thompson). Dirigido por Robert Zemeckis, outro diretor cujo contato com Steven Spielberg foi fundamental para o direcionamento de sua carreira, embora, ao contrário de Fincher, nunca tenha se desprendido da sombra de seu tutor. De qualquer forma, Benjamin soa como um outro contador de histórias que, a exemplo de Gump, narra seu ponto de vista calcado na não compreensão da própria existência, ou numa compreensão bem pessoal. E daí desfilam outras semelhanças, como a relação com a fé e a religião; Gump cresceu numa pensão e Button num asilo; o envolvimento em guerras (Vietnã e II Guerra Mundial, respectivamente), sobrevivendo ambos a um fulminante ataque inimigo; a correlação entre o capitão do navio de Button e o tenente Dan de Gump é evidente, bem como o anão pigmeu e o soldado Bubba, ambos falastrões, cumprem funções semelhantes, como confidentes de um homem deslocado da sociedade dita “normal”; a paixão de infância vivenciada aos pedaços, em meio a trágicas complicações, como o acidente da amada de Button ou a doença da amada de Gump, mas é dessa relação que advém um filho, seu saudável legado. Enquanto o personagem de Tom Hanks (Forrest Gump), por suas limitações psicológicas, não consegue amadurecer, adentrar no mundo adulto, o personagem de Brad Pitt (Benjamin Button) já nasceu velho fisicamente, um idoso-criança, e caminha para infância, onde todo amadurecimento que conseguir acumular terminará inevitavelmente no que deveria ser seu ponto de partida.

Ao longo de toda sua trajetória às avessas, como o relógio inaugurado no início do filme, que gira ao contrário, emana a impressão de que Button é sempre o mesmo, como alguém que, por nascer velho, não lhe fosse possível amadurecer. No final dos dois filmes, resta uma criança chamada Forrest Gump vai à escola, porém, já não é o mesmo Forrest, nosso contador de histórias, mas seu filho; e uma criança chamada Button que inevitavelmente irá desaparecer. Há ainda, na construção do roteiro de Eric Roth, uma questão fundamental: era realmente essencial para história a leitura do diário de Benjamin Button em um quarto de hospital enquanto se aproximava a fúria do furação Catrina? É que os momentos mais irregulares do filme de Fincher acontecem justamente ali, naquele espaço que Fincher e Roth usaram para impulsionar a narrativa adiante, adentrando lamentavelmente por clichês melodramáticos e outros artificialismos desnecessários a uma obra cinematográfica bem estruturada. Mas enfim, não seria uma má história, basta ler o conto original de F. Scott Fitzgerald e imaginar as inúmeras possibilidades.



[Publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 11 de janeiro de 2010]

Comentários

Ótimo texto!!
Nessa semana vi uma prova usada na seleção de Jornalista para um famoso jornal.Na parte de conhecimentos gerais tinha a seguinte pergunta:
Qual desses não foi dirigido por Woody Alen?kkkkkk É por isso que é bom conhecer gente de cultura kkkkk
Eduardo Silva disse…
Olá Adriano,

Sou cinéfilo, moro em Teresina e fico muito feliz quando vejo as pessoas escreverem sobre cinema na mídia impressa piauiense. Li sua matéria no Jornal Diário do Povo reproduzindo este post de seu blog. Parabéns! Abraços cinéfilos.
Adriano Lobão disse…
Luciana, o cinema é cada vez mais tema de discussão acadêmica e didática, mas a magia permanece.