Luís Vaz de Camões |
A melodia, do ponto de vista musical, geralmente é entendida como uma combinação sucessiva de sons (de maneira que formem um sentido musical). Na poesia não há realmente um conceito formulado sobre o assunto. Alguns estudiosos colocam que a melodia no poema é a sucessão das sílabas fortes (ou longas) e fracas (ou breves). Outros preferem não utilizar esta nomenclatura para explicar o fenômeno poético, já que se trata de um termo musical. Para Luiz Piva, por exemplo, a melodia é “visualizada” no poema através das figuras de sons como aliteração, assonância, etc. Ou seja, estas figurações do som nos dão uma noção de horizontalidade. E de fato, em música, a melodia é disposta na pauta de uma maneira horizontal.
Entendo que a melodia é um elemento de grande importância na construção de um poema e, muitas vezes, fundamental para a interpretação do texto. A poesia portuguesa, certamente mais do que a poesia brasileira, trabalhou de uma maneira muito rigorosa as construções melódicas. Poetas como Fernando Pessoa, Camilo Pessanha, Camões, Jorge de Sena, são verdadeiros mestres da melopoética.
Ao tratar dessa sintonia entre melodia e poesia, não há como não se lembrar de um dos mais belos poemas da literatura de língua portuguesa:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;
Roga a Deus que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te
Quão cedo de meus olhos te levou.
Entendo que a melodia é um elemento de grande importância na construção de um poema e, muitas vezes, fundamental para a interpretação do texto. A poesia portuguesa, certamente mais do que a poesia brasileira, trabalhou de uma maneira muito rigorosa as construções melódicas. Poetas como Fernando Pessoa, Camilo Pessanha, Camões, Jorge de Sena, são verdadeiros mestres da melopoética.
Ao tratar dessa sintonia entre melodia e poesia, não há como não se lembrar de um dos mais belos poemas da literatura de língua portuguesa:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;
Roga a Deus que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te
Quão cedo de meus olhos te levou.
(Camões)
Este soneto soa tão naturalmente, que mais parece música “propriamente dita”. No primeiro quarteto Camões já nos demonstra seu virtuosismo poético:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Observemos que a melodia, tomando por base o conceito de Luiz Piva, é expressa nos primeiros versos do poema pela sucessão das linguodentais D e T. Nos dois últimos versos deste quarteto encontraremos um recurso melódico de grande expressividade (dificilmente conseguido por poetas de uma estatura menor, diga-se):
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
A sucessão de sílabas fortes e os dois monossílabos tônicos (lá e céu) do primeiro verso nos fazem levantar a voz ao ler o poema. Isto é, ouvimos no verso uma ascendência melódica, uma subida. No verso seguinte o efeito é contrário: a voz baixa, pois a melodia é descendente. Ora, trata-se exatamente do sentido do texto: céu e terra (melodia ascendente e melodia descendente). Além do que expressa o estado de espírito do eu-lírico, que perdeu sua amada e se encontra no chão.
Esse mesmo procedimento pode ser verificado nas demais estrofes do soneto: uma ascendência de sons seguida de uma descendência melódica em que se procura exprimir a grandeza da mulher amada em contraposição ao estado de melancolia do eu-lírico. O ritmo constante do ir e vir melódico do texto poético certamente é o recurso que mais aproxima a literatura da música, embora saibamos que na complexa relação entre poesia e música existem mais elementos envolvidos e não tão-somente o componente melódico.
Quando se lê um poeta como Paul Verlaine, por exemplo, vê-se que cada verso possui uma música própria, cada estrofe expressa um sentido musical que soa naturalmente (como se não houvesse labor para tal empreendimento). Aliás, os grandes poetas nos dão a impressão de que a melodia do verso é construída como algo natural, sem bloqueios e quebras de cadência. No fundo, sabemos que nada disso é tão natural o quanto pensamos. Isso é tarefa dos grandes gênios poéticos: Bandeira, Camões, Verlaine, Bocage, Pessoa, dentre outros.
Este soneto soa tão naturalmente, que mais parece música “propriamente dita”. No primeiro quarteto Camões já nos demonstra seu virtuosismo poético:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Observemos que a melodia, tomando por base o conceito de Luiz Piva, é expressa nos primeiros versos do poema pela sucessão das linguodentais D e T. Nos dois últimos versos deste quarteto encontraremos um recurso melódico de grande expressividade (dificilmente conseguido por poetas de uma estatura menor, diga-se):
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
A sucessão de sílabas fortes e os dois monossílabos tônicos (lá e céu) do primeiro verso nos fazem levantar a voz ao ler o poema. Isto é, ouvimos no verso uma ascendência melódica, uma subida. No verso seguinte o efeito é contrário: a voz baixa, pois a melodia é descendente. Ora, trata-se exatamente do sentido do texto: céu e terra (melodia ascendente e melodia descendente). Além do que expressa o estado de espírito do eu-lírico, que perdeu sua amada e se encontra no chão.
Esse mesmo procedimento pode ser verificado nas demais estrofes do soneto: uma ascendência de sons seguida de uma descendência melódica em que se procura exprimir a grandeza da mulher amada em contraposição ao estado de melancolia do eu-lírico. O ritmo constante do ir e vir melódico do texto poético certamente é o recurso que mais aproxima a literatura da música, embora saibamos que na complexa relação entre poesia e música existem mais elementos envolvidos e não tão-somente o componente melódico.
Quando se lê um poeta como Paul Verlaine, por exemplo, vê-se que cada verso possui uma música própria, cada estrofe expressa um sentido musical que soa naturalmente (como se não houvesse labor para tal empreendimento). Aliás, os grandes poetas nos dão a impressão de que a melodia do verso é construída como algo natural, sem bloqueios e quebras de cadência. No fundo, sabemos que nada disso é tão natural o quanto pensamos. Isso é tarefa dos grandes gênios poéticos: Bandeira, Camões, Verlaine, Bocage, Pessoa, dentre outros.
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Alfredo Werney é arte-educador, músico e pesquisador. Torce pelo Corinthians e é admirador de Hitchcock, Fernado Pessoa e Ennio Morricone. Professor de violão da Escola de Música de Teresina. Instrutor e integrante da Orquestra de Violões de Teresina. Graduado em Educação Artística pela UFPI. É autor do livro "Reencantamento do mundo: notas sobre cinema".
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