A imagem da conquista

[Adriano Lobão Aragão]



“Estamos arriscados a ser o primeiro povo da história que conseguiu tornar suas ilusões tão vívidas, tão persuasivas, tão ‘realistas’, que é capaz de viver dentro delas”, assim afirmava o historiador e sociólogo americano Daniel J. Boorstin em seu livro The Image, publicado, na primavera de 1962. Boorstin discutia os modernos meios de comunicação de massa, a suplantação da racionalidade da palavra escrita por uma variedade estonteante de imagens gráficas e eletrônicas, e suas consequência nos valores, expectativas e visão de mundo no amplo público que atingiam. Eis que Clint Eastwood, famoso por atuar como o policial 'Dirty' Harry Callahan na série de filmes das décadas de 1970 e 1980, e principalmente como o “Homem sem nome” dos antológicos westerns spaghetti de Sergio Leone, nos anos 60, acrescentou à sua filmografia (que nas últimas décadas também incluem a direção), um instigante mergulho na necessidade de persuasão que o poder público faz uso para atender suas necessidades através da imagem pública.  

Produzido por Steven Spielberg e pelo próprio Eastwood, “A Conquista da Honra” (Flags of our fathers, EUA, 2006) não é, essencialmente, um filme de guerra, tampouco a visão americana do conflito em Iwo Jima, durante a II Guerra Mundial, que se contrapõe a uma visão japonesa apresentada em “As Cartas de Iwo Jima” (Letters from Iwo Jima, EUA, 2006), realizada simultaneamente por Eastwood. A princípio, poderia ser a reutilização de um recurso que pode ser visto em “O Mais Longo dos Dias” (The Longest Day, 1962), dirigido por Ken Annakin, Andrew Marton e Bernhard Wicki, abordando o desembarque dos aliados na Normandia a partir dos dois lados em conflito, mas Eastwood quis ir além da mera documentação histórica, da representação/encenação do combate. “A Conquista da Honra” volta-se para algo maior, mais abrangente e fundamental para a construção da vida contemporânea, não apenas ocidental: o poder da imagem.
 
Essa visão torna-se mais relevante nos dias atuais que em 1944, numa sociedade cada vez mais voltada para a estética iconográfica. É o contraste entre a aparência e a essência, entre o real e o simbólico que interessa a Eastwood. E sobretudo para os propagandistas militares americanos, que precisam de dinheiro para continuar uma guerra que, segundo suas próprias palavras apresentadas no filme, durou mais do que deveria (o que corresponde a dizer que "gastou-se mais do que deveria"). Mas, a partir da imagem de seis soldados fincando uma bandeira no alto de uma montanha japonesa, as pessoas estariam dispostas a patrocinar aquela guerra, pois não estariam comprando bônus de guerra do exército, mas investindo em heróis que, com certeza, trariam a vitória. Aquela foto era mais que uma esperança, era uma garantia. A controvérsia das bandeiras, a morte de diversos soldados, a tênue linha entre a homenagem e o anonimato, juntamente com a angústia de Reyes, o soldado indígena, o altruísmo de Doc e o senso oportunista de René, nos remetem a uma nova história sobre uma bandeira e seus frágeis personagens, uma história muito mais instigante e sincera que a história oficial, recontada por Eastwood em seu habitual estilo sóbrio e equilibrado, como uma reminiscência do que Hollywood já teve de clássico. Mas há um senão: o final ancora-se excessivamente na necessidade de um narrador, arrastando-se demais. Essa indeterminação de encerrar a película é uma característica recorrente em outros filmes de Eastwood, como “A Troca” (Changeling, 2008) e “Menina de Ouro” (Million Dollar Baby, 2004), mas felizmente não chega a comprometer a relevância e a harmonia de suas obras. Talvez porque, acima de tudo, Eastwood é um cineasta necessário em um mundo cada vez mais dominado pela imagem vazia, mas altamente persuasiva, que marca fundamentalmente nossa contemporaneidade.

Comentários