[Jorge Luis Borges]
[trad. Wanderson Lima]
Pela descida de alguém
– mistério cujo vacante nome possuo e cuja realidade não abarcamos –
até a aurora há uma casa aberta no Sul,
uma ignorada casa que não estou destinado a rever,
mas que me espera esta noite
com desvelada luz nas altas horas do sono,
carcomida por noites más, distinta,
minuciosa de realidade.
Para sua vigília gravitando em morte caminho
por ruas elementares como lembranças,
pelo tempo abundante de noite,
sem mais vida audível
que os folgados do bairro junto ao armazém apagado
e algum assovio solitário no mundo.
Lento o andar, na posse da espera,
chego à quadra e à casa e à sincera porta que busco
e me recebem homens constrangidos à gravidade
que viveram nos anos de meus antepassados,
e nivelamos destinos no aposento provido que mira o pátio
– pátio que está sob o poder e na integridade da noite –
e dizemos, porque a realidade é maior, coisas indiferentes
e somos apáticos e argentinos no espelho
e o mate compartilhado mede horas vãs.
Comovem-me as pequenas sabedorias
que em todo falecimento se perdem
– hábito de alguns livros, de uma chave, de um corpo entre outros.
Eu sei que todo privilégio, ainda que obscuro, é da linhagem do milagre
e é muito o de participar nesta vigília,
reunido ao redor do que não se sabe: do Morto,
reunida para acompanhar e guardar sua primeira noite na morte.
(O velório gasta os rostos;
nossos olhos estão morrendo no alto como Jesus).
E o morto, o incrível?
Sua realidade está sob as flores diferentes dele
e sua mortal hospitalidade nos dará
uma lembrança mais para o tempo
e sentenciosas ruas do Sul para merecê-las lentamente
e brisa obscura sobre a fronte que se volta
e a noite que da maior aflição nos livra:
a prolixidade do real.
(In: Cuarderno San Martin. Obras Completas. Buenos Aires: Emecé, 1974, p. 88-89)
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