Juan Gelman por Adityas Soares de Moura


[por Alexandre Bonafim



Juan Gelman

Com grata alegria, celebramos mais uma bela versão, em português, da poesia do argentino Juan Gelman. Dibaixu (Debaixo) é livro raro para raros. Escrito originalmente em sefardita, língua falada pelos judeus da Espanha, o livro nos traz grandes momentos de plenitude amorosa e lírica.

Devemos a ampla divulgação da obra de Gelman no Brasil às belas intervenções do poeta Andityas Soares de Moura. Com sensibilidade, o escritor de Minas tem nos ofertado, em traduções bem elaboradas, a poesia de nosso vizinho portenho.

Em diapasão harmônico, Adityas soube captar toda a sensibilidade de Gelman, suas associações lexicais raras, a fulguração de sua linguagem viva, pulsante de metáforas inventivas, de imagens oníricas de grande fascínio, numa recriação verdadeiramente poética da escrita do autor de Dibaixu. Nós brasileiros, agora, podemos deleitar, com felicidade, em nossa língua, a mesma verve lucífera desse grande poeta da América Latina.

Uma solaridade vivaz, plena, incendeia as imagens de Gelman, numa verdadeira celebração epifânica do presente, momento de plenitude, de intensidade existencial, no qual o homem contempla sua fecundidade:
 
a manhã faz os pássaros brilharem/
está aberta/ tem frescura/
a beberemos junto
com o espanto do pensar/
(p.25)
 

Irradia dessa poesia, a maestria inventiva dos construtores de imagens oníricas, de imagens de grande efeito lírico. Como na escrita dos brasileiros Francisco de Carvalho, Oscar Bertholdo e Jorge de Lima, na poesia de Gelman contemplamos a encantação mágica das palavras, no que elas têm de sinestesia e fascinação visual. Um lirismo puro, com gosto inaugural, irrepetível, incandesce a escrita do argentino, possibilitando-nos sempre uma iluminação, uma vertigem advinda dos nascimentos, das fontes, das germinações, dos descobrimentos inolvidáveis:

agacha-te/ se queres/ olha/
se queres/ o pássaro
que voa em minha voz/
tão menino/
 
pelo pássaro passa um caminho
que vai para teus olhos/
espera tua mão/
há erva onde não estás/
 
derme tudo/
o pássaro/ a voz/
o caminho/ a erva
que amanhã veio/
(p. 27)


Os cortes empreendidos pelo poeta, registrados pelas barras, iconicamente reproduzem nossa ofegante respiração, entrecortada pelas súbitas aparições da beleza. A cada corte, um relâmpago de sensações, uma trovoada de sentimentos febris, estertorantes, profusão de procelas vivas, de surpresas incineradas pela plenitude de um fogo fulminante: poesia experimentada no mais profundo âmago de nossa humanidade:
 
o que falas
deixa cair
um pássaro
do qual sou ninho/
 
o pássaro cala
dentro de mim/

o que faz de mim/
(p.47)

Uma nova metáfora, inaugural, inaugura também um país, uma nação inteira. Alegria saber que tal como os argentinos, nós brasileiros, pelas mãos de Andityas, podemos sorver essas imagens míticas, fuzilantes:

o desejo é um animal
todo vestido de fogo/
tem patas tão longas
que chegam ao olvido/
 
agora penso
que passarinho em tua voz
arrasta
a casa do outono/
(p.72)

Gelman e Andityas, parceria em comunhão no eterno. Argentinos e Brasileiros, irmandade viva, celebrante, nessa bela tradução de Dibixu. 
GELMAN, Juan. dibaixu (debaixo). 
Tradução de Andityas Soares de Moura. 
[S. Cidade]: Edium, 2007.
 

 


 










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Alexandre Bonafim nasceu em Belo Horizonte, em 1976. Vive em em Franca, São Paulo. Formado em Letras, mestre em Literatura Brasileira. Autor de Biografia do deserto (2006).

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