A volta ao dia em 80 mundos



Os caleidoscópios de um cronópio
[Adriano Lobão Aragão]


Eis que Julio Cortázar nos apresenta seu inusitado A Volta ao Dia em 80 Mundos. Assim como Último Round, seu consequente desdobramento, trata-se de uma sucessão de ensaios, críticas, poemas, contos, fotos, desenhos, nos quais o cronópio Cortázar escreve sobre o que lhe viesse à mente: da máquina de ler O Jogo da Amarelinha ao seu gato Theodoro Adorno; de Jack the Ripper a Louis Armstrong, de Lezama Lima a Julio Verne, formando um caleidoscópio de textos e imagens, indiferente à coesão de temas e gêneros. E se alguém esperasse alguma unidade, uma forma mais séria e rígida que norteasse seus escritos, o autor responde ainda nas primeiras páginas utilizando-se de um questionamento parafraseado de um verso do poeta Ricardo Molinari: “Quem nos salvará da seriedade?” Bem apropriado para quem escreveu que o mais grave problema dos argentinos não era a ditadura, mas a falta de humor.

Escritos no final dos anos 60, somente agora se encontram disponíveis em tradução no Brasil, realizada por Ari Roitman e Paulina Wacht e publicada, em dois tomos bastante fiéis aos originais, pela Civilização Brasileira, que já havia editado, dentre outras obras de Cortázar, os fundamentais O Jogo da Amarelinha e Todos os Fogos o Fogo.

Acima de tudo, os textos de Cortázar desafiam os nossos sentidos, rejeitam as facilidades críticas e se alçam ao inusitado. Preocupar-se com os “porquês”, sobretudo as explicações racionais, é absolutamente desnecessário. Em “A Carícia mais profunda”, um conto, o autor não se preocupa em expor por que seu protagonista se afunda cada vez mais no solo, assim como Kafka não nos revelou por que Gregor Samsa, após sonhos intranquilos, acordou metamorfoseado em um enorme inseto. E que importa? Há coisas mais relevantes no próprio texto, que assim como a vida, não guarda tempo para as devidas explicações. É este aspecto, no qual a escrita de Cortázar encontra-se bastante influenciada pela literatura fantástica do século XIX, com Kipling, Poe e Verne, do qual subverteu o título de A Volta ao Mundo em 80 Dias. O argentino amarra o real e o fantástico, apresentando-os de maneira inusitada dentro das situações mais corriqueiras. Mas esse Cortázar encontra-se diluído nesse enorme caleidoscópio de temas e formas. Talvez por isso, pode não ser a melhor opção para quem quer começar a descobrir o escritor. E, efetivamente, não chega a constituir uma de suas obras essenciais, afinal, Julio Cortázar seria o mesmo com ou sem essas “voltas”.

Entretanto, se com O Jogo da Amarelinha Julio Cortázar antecipou o hipertexto, com A Volta ao Dia em 80 Mundos e Último Round, respectivamente em 1967 e 1969, o cronópio já fazia uso do que seria a típica estrutura dos blogs da internet atual. Quarenta anos depois, parece ser esta uma época bastante interessante para traduzi-los, editá-los, reeditá-los e constatar que o presente já existia há muito tempo.

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