"As viagens mais completas que fiz em minha vida foram dentro dos livros, levado pelas asas das palavras"

Rubervam Du Nascimento. Foto: Kenard Kruel


7ª pergunta para RUBERVAM DU NASCIMENTO

Colégio São Francisco de Sales – Diocesano
Prof Adriano Lobão Aragão

Alunos – 7ª série A/2009
Ramerson
Carlos
Felipe
Jessé
Victor




Rubervam Du Nascimento, da Ilha de Upaon-Açu, no Maranhão. Após passar temporadas no Rio de Janeiro e outros estados brasileiros, desde 1972 resolveu radicar-se em Teresina. Bacharel em Direito com especialização em Direito do Trabalho. Lecionou Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Mantém contato direto com escritores não só do Brasil, mas de outros Estados da América Latina, como Guatemala, Chile, Peru, Venezuela, onde já participou de encontros literários. Presidiu a União Brasileira de Escritores do Piauí-UBE-PI. Tem participação em coletâneas de poemas e contos editados nos anos 70 e 80. Artigos, entrevistas, colunas literárias em jornais e revistas. Editor de Literatura da Revista de Cultura Pulsar, editada em Teresina. 4 Livros individuais: A Profissão dos Peixes, 2a edição, revista e diminuída, Editora Códice/DF-1983; Marco Lusbel Desce ao Inferno, 1o lugar Concurso Nacional da Blocos/RJ-1998; Os Cavalos de Dom Ruffato, prêmio Literário Cidade do Recife-2004; e mais recentemente: Espólio, vencedor do VII Prêmio Literário Livraria Asabeça de São Paulo. Editado e lançado em agosto de 2008 pela Editora Scortecci, durante a Bienal do Livro de São Paulo.




O que lhe influenciou a seguir uma carreira de escritor?
Quando adolescente queria ser cientista. Achava interessante a idéia de poder descobrir alguma coisa. O poder de criação dos indivíduos sempre me impressionou. Penso que me tornei poeta ao entender que poderia com o uso da palavra transformar-me em inventor. Hoje estou consciente de que o poeta é capaz de construir objetos de raciocínios, utilizando como suporte a palavra. Por isso acredito que apenas a poesia dos poetas inventivos deixa a sua marca e pertence a todos os tempos.

No início dela você teve que enfrentar algum tipo de dificuldade?
Sim, as mais diversas. Lembro que meus primeiros anos de estudo foram feitos em uma cidadezinha do interior do maranhão chamada Coroatá, onde não existia qualquer biblioteca pública. Em minha casa, o único conjunto de livros que existia era a Bíblia. Os primeiros livros que li foram os livros bíblicos, cuja leitura até hoje servem de substratos a muitos poemas que escrevo, principalmente a parte histórica do chamado Velho Testamento. Cheguei a decorar os Livros de Ezequiel, Daniel, os livros da Gênese bíblica. Até o Apocalipse eu decorei. Impressionam-me bastante as imagens construídas por esses escritores bíblicos. Inclusive, entendo que o livro do Apocalipse está colocado errado na Bíblia. Não poderia ter sido posto como último livro da Bíblia. As metáforas históricas construídas nesse livro, não tem nada a ver com o fim do mundo. Têm a ver com o fim de um período político de um império. Um grave erro de avaliação histórica de quem selecionou os livros que compõem a Bíblia. Somente muito depois, já completando o antigo Ginásio, próximo a sair de Coroatá é que fui descobrir outros autores através do professor Hildegardes da Silva, de português, que me repassou Os Lusíadas e uma cópia de um livro estranhíssimo que me perturbou bastante desde o título: O Guesa, de Souzândrade que, a princípio, pensei tratar-se de algum poeta espanhol e não um Maranhense. Como acredito que ninguém pode querer ser escritor sem leituras básicas, digo que a falta de referenciais de leitura durante a minha infância e início de adolescência, contribuíram para retardar os exercícios necessários de impulso criativo e lapidação do ofício de poeta.

De onde vem sua inspiração para escrever livros?
Não acredito que a inspiração por si só ajude o poeta a construir seu universo poético. A inspiração é por demais medrosa, não aceita a cesta de lixo, nem o fogo que antes de tudo é purificador. Para mim, a respiração é muito mais significativa do que a inspiração. Respiração é fôlego, mas também é pausa; é som com voz de silêncio, é mergulho na água e ao mesmo tempo na pedra da fala. É parto e resguardo ao mesmo tempo. De onde vem meus poemas? Surgem das leituras e releituras de livros e dos cadernos e telas da vida. Nascem da observação comprometida com o exercício da dúvida, ao divertir-se com o avesso e com as verdades estabelecidas.

Quais são seus livros de cabeceira?
Leio muitos estudos críticos literários. Além de fazer questão de acompanhar o que é editado, principalmente a nível de poesia, no Brasil, na América espânica e o que circula em paises da periferia européia, traduzidos ou não em português, aproveitando alguns poucos conhecimentos de línguas estrangeiras que possuo. Interessa-me, sobretudo, autores que os estudiosos dos cânones literários chamam de fundadores da poesia universal que seleciono para constantes releituras: Rimbaud, Mallarmé, Vicente Huidobro, Olivério Girondo, Lezama Lima, Octavio Paz, Ezra Pound, Murilo Mendes, entre outros, leituras sempre necessárias e úteis a qualquer poeta.


Por que as edições de seu livro "A profissão dos peixes" são revistas e diminuidas?
A Profissão dos Peixes é um projeto de viadapalavra. Podem emendar as palavras. São juntas mesmo. É uma só palavra. Quando digo revisar e diminuir, não significa apenas reduzir poemas ou páginas do livro, fundir ou retomar a origem de alguns versos. Implica muito mais em potencializar estruturas significativas da linguagem e tratar com rigor a concepção estrutural dos poemas.


O que você acha que falta para que a cultura literária piauiense se desenvolva?
É impossível desenvolver-se culturalmente qualquer lugar do mundo se não tiver uma economia forte. Não falo do processo criativo, esse independe de força econômica, nasce e cresce à margem de qualquer processo econômico, político e ou social.

Você acha que existe um preconceito contra ela?
O que se escreve e se publica hoje no Piauí, em se tratando de tratamento estético e busca de novas linguagens, está em pé de igualdade com o que se escreve e edita no chamado eixo Rio-São Paulo. O que torna frágil a divulgação de obras de autores extraordinários que aqui vivem, escrevem e publicam, tem explicação justamente nos reflexos dos péssimos indicadores econômicos, sociais e políticos, que determinam a ausência secular de políticas públicas de editoração de obras, fomento à leitura, criação e manutenção de bibliotecas, cujas preocupações nunca foram e continuam não sendo prioridades dos gestores públicos do Piauí, principalmente dos seus municípios.

Com quais outros autores você se identifica?
Daqui do Piauí: gosto muito da proposta de linguagem ousada de trabalhar a paisagem e os tipos do Piauí do poeta Leonardo da Senhora das Dores Castelo-Branco, que além de outros, editou em 1854 um livro que, infelizmente, é rejeitado pelos acadêmicos de plantão que não aceitam a postura subversiva, portanto, não acadêmica do autor, e por essa razão confundem autor com a obra e há tempo condenam esse poeta ao silêncio e ao esquecimento. O livro chama-se: A Criação Universal. Também aprecio e muito a poesia do Mário Faustino e do H. Dobal. Outra proposta interessante, um tanto incompreendida, é a do nosso poeta Torquato Neto, que muitos equivocadamente acham que não é poeta. Gosto da poesia de alguns poucos poetas da minha geração que prefiro não citar os nomes, mas que acompanho com a devida atenção.

E atualmente, você está trabalhando em alguma obra?
Tenho alguns conjuntos de poemas em preparo. Chamo de rascunhos que podem futuramente serem destruídos ou servirem como matrizes para novos projetos. No momento estou trabalhando um livro de nome: As formigas, o poema. Estou gostando do resultado. Um conjunto de poemas que tem como centro o dia-a-dia das coisas e do mundo que me cercam.

O que você diria para um adolescente que não tem interesse na leitura?
Qualquer pessoa, não somente os adolescentes não sabem o que estão perdendo em não se interessarem pela leitura. As viagens mais completas que fiz em minha vida foram dentro dos livros, levado pelas asas das palavras. Não são as imagens que nos ensinam, como pensam alguns, quem nos ensinam mesmo são as palavras. Elas nos ensinam a ver o mundo de forma diferente. São as palavras e não as imagens que deixam nossos olhos agitados, em busca de novas respostas. Somente as palavras nos levam a invadir mundos que se acredita impossíveis de serem penetrados. São as palavras que nos orientam e nos capacitam para a criação de mundos paralelos ao mundo velho, fatigado, repleto de mesmice, em que vivemos.

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