Livro do fotógrafo José Medeiros sobre o Candomblé é relançado
extraído de http://correio24horas.globo.com/noticias/noticia.asp?codigo=19320&mdl=50
Ana Cristina Pereira / Redação CORREIO
Foi uma verdadeira aventura. Em 1951, o repórter ArlindoSilva e o fotógrafo José Medeiros foram escalados para vir a Salvador realizar uma tarefa que, mesmo nos dias de hoje, não seria das mais fáceis: fotografar a iniciação das filhas-de-santo no candomblé. O objetivo era produzir uma reportagem especial para a revista O Cruzeiro, à época a publicação de maior prestígio do país. Com uma tiragem de 330 mil exemplares, a revista causou grande repercussão.
Aqui na Bahia, caiu como uma bomba, sobretudo entre adeptos e estudiosos do candomblé, insatisfeitos com o tom sensacionalista da matéria, batizada As noivas dos deuses sanguinários.“Lembro que foi uma reportagem muito agressiva, em todos os sentidos”, afirma o antropólogo baiano Ordep Serra.
Na ocasião, o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger, que tinha chegado à Bahia havia três anos e iniciava suas pesquisas na cidade, se manifestou temeroso de que o trabalho reforçasse o preconceito que a religião afro sofria na sociedade. Seu conterrâneo, o sociólogo Roger Bastide, outro estudioso das religiõesafro-brasileiras, também engrossou as críticas, mas eximiu o fotógrafo da responsabilidade.
Os dois estudiosos haviam acompanhado a repercussão negativa da reportagem Lées possédées de Bahia (As possuídas da Bahia) publicada no mesmo ano na França na revista Paris Match. A preocupação fazia todo sentido. Não haviamuitos anos, o candomblé era visto como caso de polícia e os templos, para funcionar, tinham de pedir autorização especial. Mesmo com as críticas, o ensaio fotográfico de José Medeiros (1921-1990) foi bastante elogiado, sobretudo pelo ineditismo do registro e pelo impacto das 38 imagens, que mostravam sacrifício de animais e outros detalhes da cerimônia.
Medeiros continuou o trabalho e, em 1957, lançou o livro Candomblé, ampliando para 52 o número de fotografias. Desta vez,cuidou ele mesmo do texto. É justamente este livro que o Instituto Moreira Salles traz de volta às livrarias. A publicação inclui todas as imagens, além das imagens sem corte, captadas diretamente dos negativos, um conjunto de outras 13 fotografiasde Medeiros sobre candomblé e a reprodução, em tamanho menor, das páginas da publicação original.
O livro também traz os textos explicativos de Medeiros, que são bastante objetivos - evitando maiores polêmicas -, acrescidos de notas adicionais do antropólogo Wagner Gonçalves da Silva (USP). “Há alguns anos, tive a oportunidade de fotografar os rituais secretos de iniciação das filhas-de-santo, o que se fez pela primeira vez na história da imprensa brasileira”, anotou Medeiros na primeira edição do trabalho.
Reedição
Mais de cinco décadas depois do lançamento, as fotos de Medeiros conservam a primazia de ter chegado tão próximo nas cerimônias do candomblé. “Este é um importante episódio da fotografia brasileira, por isso resolvemos republicar o trabalho. Na nossa avaliação, neste momento, as fotos, de grande valor antropológico, não prejudicam mais a religião”, afirma Rodrigo Lacerda, responsável pela edição do material. No texto que introduz a obra, Lacerda conta detalhes da produção da reportagem, realizada no Terreiro de Oxóssi, que ficava localizado no subúrbio ferroviário, próximo ao bairro de Plataforma.
A intermediação foi feita por um motorista de táxi de nome Sessenta, que conhecia um pequeno terreiro, no qual três jovens estavam reclusas, preparando-se para o grande dia em que receberiam seus santos, pelas mãos de mãe Riso de Plataforma. “Os jornalistas pagaram pelo direito de assistir e documentar a cerimônia de iniciação, em troca de fornecer ao terreiro osmeios para adquirir os animais a seremsacrificados e os demais elementos necessários ao ritual”, anota.
Como muitos temiam, a repercussão do trabalho acabou atingindo a parte mais fraca. A Federação dos Cultos Afro-Brasileiros impôs sanções a mãe Riso. Além de denunciá-la à polícia, também não reconheceu a iniciação das jovens que participaram do ritual.
Registro de cenas brasileiras
Natural do Piauí, o fotógrafo José Medeiros mudou-se para o Rio de Janeiro em 1939. No ano seguinte, já integrava a equipe da revista O Cruzeiro, importante veículo de renovação do jornalismo brasileiro. Ele atuou por 15 anos na publicação, para a qual fez reportagens na Europa, nos Estados Unidos e na África.
Medeiros se notabilizou pelo registro de várias facetas da vida brasileira. Foi ele, por exemplo, quem fez os primeiros registros de contatos com os índios realizados pelos irmãos Villas-Boas no Xingu e na Serra do Roncador. Quando deixou a revista, o fotógrafo participou da fundação da agência fotográfica Image, pioneira do país.
Ele também teve uma participação importante no cinema nacional, tendo atuado como diretor de fotografia em produções como A falecida (1965), de Leon Hirszman, Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues e Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos. Foi premiado em vários festivais e chegou a dirigir um longa, Parceiros da aventura (1980).
Detentora de todo o acervo fotográfico de Medeiros - que tem um total de 20 mil negativos - o Instituto Moreira Salles começou a apresentar as preciosidades ao público. Além do livro Candomblé, a instituição inaugurou em sua sede, em São Paulo, uma exposição com registros dele feitos entre as décadas de 1940 e 1970.
Autor: José Medeiros
Editora: Instituto Moreira Salles
Preço: R$ 56 (112 páginas)
Vendas pela Internet: www.ims.com.br
(Reportagem publicada na edição impressa do CORREIO, de 20 de fevereiro de 2009)
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