A poesia brasileira no fim do milênio
Por Ivan Junqueira
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Noto na poesia que hoje se escreve entre nós aspectos positivos e negativos. No que entendo como aspecto positivo gostaria de salientar o talento quase inato do poeta brasileiro de qualquer época, sua espontaneidade de expressão, seu agudo sentido de ritmo e de melodia, o luxuriante cromatismo de suas imagens e metáforas, características essas que me parecem seminais desde que se começou a escrever poesia neste país. Mas é daí, talvez paradoxalmente, que se esgalham nossas mais flagrantes deficiências, isto é, as do relaxamento formal, da adiposidade expressiva, do mau conhecimento da língua e de sua própria índole, do desprezo àquelas tradições que nos permitiriam ascender à condição de uma paideia e da carência, quase lancinante, daquilo que os alemães definem como Weltanschauung, ou seja, uma visão de mundo. Sentimos isto de forma particularmente aguda quando cotejamos os poemas de nossos autores com os dos grandes poetas do Ocidente, como nos casos de Dante Alighieri, Leopardi, Virgílio, Baudelaire, Donne, Yeats, Eliot, Guillén ou Borges, além de tantos outros. Há neles uma vertente de universalidade que os torna compreensíveis e estimados em qualquer quadrante da Terra. Há neles uma visão do mundo e dos destinos humanos que qualquer leitor será capaz de captar, enquanto aqui nos atolamos numa espécie de regionalismo estreito e orgulhoso que jamais nos levará a parte alguma, a não ser ao umbigo de nós mesmos. Não é todo dia, a propósito, que se consegue urdir o regionalismo transcendente e universalista de um Guimarães Rosa ou de um Graciliano Ramos. O escritor brasileiro, e sobretudo o poeta brasileiro, deve aprender a renunciar a esse maldito e enfezado exotismo dos trópicos, desses “tristes trópicos”, aliás.
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[Ivan Junqueira, in Cinzas do Espólio, Record, Rio de Janeiro, 2009. p. 142-143]
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