Yone de Safo




YONE DE SAFO
por Wanderson Lima


Adriano Lobão Aragão é um dos mais promissores poetas da nova safra de escritores piauienses. Ele tem algo, a meu ver, fundamental para um escritor que leva seu ofício a sério: um projeto literário definido. Lobão sabe que escrever é produzir – e produzir pressupõe, no bom sentido, sujar as mãos, testar, imitar para aprender. A literatura não surge ex nihilo e poetar não é um simples exercício demiúrgico; um poeta – como tem enfatizado Harold Bloom – só o é porque lê outros poetas e procura respondê-los com outros poemas. Isto Lobão sabe bem, como evidencia suas produções; seus poemas não são irrupções de uma alma inspirada – são, sim, exercícios emulativos, paráfrases e colagens de outros poemas.

Creio que, se quisermos perquirir o projeto literário de Adriano Lobão, encontraremos três notas dominantes: a pesquisa prévia do material, o intenso diálogo intertextual e o entrelaçamento entre poesia e narrativa ( – a poesia narrativa de Lobão bordeja, nostalgicamente, o epos). Estes três aspectos podem ser entretecidos em um conceito: o historicismo. O termo, oriundo da arquitetura, foi usado por Fredric Jameson em suas reflexões sobre a produção artística dita pós-moderna e designa mais ou menos a livre fusão e citação de estilos sem uma intenção ulterior, seja ela satírica, cômica ou laudatória. O historicismo é, em suma, a reivindicação de um novo ecletismo, que rechaça a idéia de homogeneidade estilística, predicando a impossibilidade desta numa sociedade em que não há mais uma norma hegemônica. A forma de manifestação do historicismo chama-se pastiche, espécie de imitação pela imitação (conforme expressão de Sérgio Paulo Rouanet), já que despida de intenções críticas. O pastiche, na perspectiva de Jameson, é a réplica pós-moderna da paródia modernista.

A minha hipótese é que Adriano Lobão, leitor eclético, neste Yone de Safo e no livro anterior, Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra, é um “flâneur” da cidade dos versos. Com inegável tato poético e bom gosto na escolha de interlocutores, Lobão vai agregando fragmentos e estilos: H. Dobal, Gerardo Mello Mourão, o Homero da tradução de Carlos Alberto Nunes, alguns líricos lusos, a Bíblia, Cabral de Melo Neto. Os textos que Adriano faz dialogar em seus mosaicos poéticos às vezes criam dissonâncias tais que podem parecer jogos gratuitos. Depois de algumas leituras, porém, percebemos que esse “defeito” é algo pensado pelo autor. Lobão, no fundo, é um esteticista; seus signos remetem, de imediato, a signos (diria Bloom: seus poemas respondem a outros poemas) e seu fim não é engendrar um discurso “realista” ou crítico pela poesia, embora às vezes ele o tente¬ – como atesta a queda de tom em que seu penúltimo livro, Entrega a Própria Lança na rude Batalha em que Morra, se lança nas seções “A Classe Operária Vai ao Paraíso” e “Os Passageiros das Águas”.

As citações e as alusões presentes na poesia de Adriano Lobão não estão ali, em primeira instância, para denunciar ou propor reformas. Quando Lobão recolhe os fragmentos de versos e estilos para “montar” o poema ele o faz não à maneira da montagem do velho Einsenstein mas ao modo da montagem de Quentin Tarantino, acreditando que a arte, em primeira instância, se alimenta de arte. Isso quer dizer, então, que a arte de Lobão é alienada? Como resposta, deixo “O Engenheiro Inglês”:

as obras de ampliação do metrô de Teresina
desfazem em cálculos outros números

sob o rio grande outrora dos Tapuias
sob o risco da ignorância
repetem-se eternas alegorias
onde não há inglês pra ver

somente o silêncio certo dos urubus
esperando novas carcaças
de metal e concreto


Qual a motivação desse poema? Se minha hipótese é certa e, de fato, a poesia de Lobão se constrói sob o signo do historicismo, esse texto é, em primeira instância, um perfeito pastiche do estilo de H. Dobal. Só em segunda instância ele é uma crítica. A referencialidade é sempre evidente, mas o modus operandi de Lobão se alicerça no diálogo intrapoético (um afoito formalista diria que essa minha afirmação vale para qualquer poeta, o que absolutamente não concordo). Adriano Lobão, portanto, não é alienado mas tampouco, felizmente, é um ideólogo; é, simplesmente, um artista.

O salto qualitativo de Adriano entre Uns Poemas e Entrega a Própria Lança foi abismal. O leitor perceberá que Yone de Safo também representa um crescimento, embora, dado o curto lapso temporal entre o segundo e o terceiro livro, esse crescimento seja mais discreto. Das cinco seções em que o livro se organiza, fico com “A Coluna de São Simeão” e lamento que a bela “Nordestes” seja tão curta; o título do livro, porém, enfatiza a primeira seção, de poemas de teor erótico, onde realmente há peças bem acabadas. A quinta e última seção do livro, “A Árvore de Ossos”, aponta, talvez, para uma nova dimensão da poesia de Adriano, menos fragmentada e alusiva, centrada na memória individual e não no historicismo, por conseguinte um tanto fora da descrição que fizemos. Bergson desponta na floresta de signos de Lobão.


Teresina, 29 de agosto de 2006.

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