Eduardo White




Eduardo White, nascido em Quelimane, região da Zambézia, Moçambique, em 1963, é considerado um dos mais importantes poetas da atual literatura africana em língua portuguesa. Em 2001 foi considerado em Moçambique a figura literária do ano.

Obra poética
Amar sobre o Índico (1984)
Homoíne (1987)
O país de mim (1989)
Poemas da ciência de voar e da engenharia de ser ave (1992)
Os materiais do amor seguido de O desafio à tristeza (1996)
Janela para oriente (1999)
Dormir com Deus e um Navio na Língua (2001)
O Homem a Sombra e a Flor e Algumas Cartas do Interior (2004)
A Fuga e a Húmida Escrita do Amor (2009)


Homoíne
[fragmento]

Os nossos mortos são muitos,
são muitos os nossos mortos
dentro das valas comuns

e há um enorme pássaro que se encanta,
é o pássaro lento do esquecimento,
pássaro de sangue, pássaro que se levanta
dos vermes que estão comendo os nossos mortos por dentro

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O que vocês não sabem e nem imaginam

Vocês não sabem
mas todas as manhãs me preparo
para ser, de novo, aquele homem.
Arrumo as aflições, as carências,
as poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir,
o vinagre para as mágoas
e o cansaço que usarei
mais para o fim da tarde.

À hora do costume,
estou no meu respeitoso emprego:
o de Secretário de Informação e de Relações Públicas.
Aturo pacientemente os colegas,
felizes em seus ostentosos cargos,
em suas mesas repletas de ofícios,
os ares importantes dos chefes
meticulosamente empacotados em seus fatos,
a lenta e indiferente preguiça do tempo.

Todas as manhãs tudo se repete.
O poeta Eduardo White se despede de mim
à porta de casa,
agradece-me o esforço que é mantê-lo
alimentado, vestido e bebido
(ele sem mover palha)
me lembra o pão que devo trazer,
os rebuçados para prender o Sandro,
o sorriso luzidio e feliz para a Olga,
e alguma disposição da que me reste
para os amigos que, mais logo,
possam eventualmente aparecer.

Depois, ao fim da tarde,
já com as obrigações cumpridas,
rumo a casa.
À porta me esperam
a mulher, o filho e o poeta.
A todos cumprimento de igual modo.
Um largo sorriso no rosto,
um expresso cansaço nos olhos,
para que de mim se apiedem
e se esmerem no respeito,
e aquele costumeiro morro de fome.

Então à mesa, religiosamente comemos os quatro
o jantar de três
(que o poeta inconsta
na ficha do agregado).

Fingidamente satisfeito ensaio
um largo bocejo
e do homem me dispo.
Chamo pela Olga para que o pendure,
junto ao resto da roupa,
com aquele jeito que só ela tem
de o encabidar sem o amarrotar.

O poeta, visto-o depois
e é com ele que amo
escrevo versos
e faço filhos.

Comentários

Anônimo disse…
É isso, Adriano, temos que procurar divulgar esta parcela d língua portuguesa que já tem muitos bons poetas. O meu preferido, de longe, é Corsino Fortes, do Cabo Verde.
Valeu pelo incentivo. De Cabo Verde, admiro Valdemar Valentino Velhinho e Aguinaldo Fonseca, mas considero Corsino Fortes o melhor poeta do arquipélago caboverdiano. Realmente, um mestre que merce ser mais divulgado por aqui.
Unknown disse…
Eduardo Whithe, profundo...e doce de alcançar