- Publicado originalmente em amálgama #4, agosto de 2003.
R A Z Õ E S para E N S I N A R
por Dílson Lages Monteiro
Confundida cotidianamente com atividade piegas, com exercício de sonhadores, com prática de gente ociosa, a poesia vai sendo negligenciada a um espaço obscuro, embora consista em elemento dos mais importantes para a ampliação da inteligência lingüística. Mas onde reside essa esquecida importância?
Em linhas gerais, o teor pedagógico da poesia se mostra nas palavras da professora Beatriz Citelli: “As experiências desenvolvidas, especialmente com a produção e recepção do texto literário, revelam que, ao vivenciarem modalidades discursivas polissêmicas, dotadas de signos menos referenciais, os alunos tendem a soltar a imaginação, descobrindo faces e possibilidades expressivas da palavra”. Por quê? Ora, “a subjetividade abre portas para a subjetividade”, como afirma David Olson em “O mundo no papel: as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita”.
Assim, o ensino de poesia impõe-se como necessidade à compreensão da subjetividade peculiar à linguagem, ensejando dentre vários benefícios “a produção do texto como uma forma de ação e interação social”. Ensinar poesia contribui a que o processo de escritura de textos desenhe-se funcional, reflexo do resgate profundo de experiências individuais (profundo, porque mediado pela emoção) e, fundamentalmente, da ativação dos sentidos, que deveriam adquirir conotação primeira no desenvolvimento do discurso escrito, tendo em vista ser ferramenta consistente para a elaboração do conhecimento.
As especulações de alguns filósofos ilustram bem o valor da poesia na elaboração/aquisição da linguagem e do conhecimento. Entendendo que a poesia, em primeira instância, compõe-se a partir da abundância de dados sensoriais é cabível redimensionar, por exemplo, o pensamento de Locke para este contexto. Ele argumenta que “a percepção é a primeira operação de todas as faculdades intelectuais e a entrada de todo conhecimento em nossas mentes”. Conseqüentemente, o exercício assíduo da leitura e escritura do poema, visto ser uma atividade por excelência sensorial alarga a percepção, facilitando, dessa maneira, a inter-ação com a linguagem e a produção de conhecimento novo.
Que o diga a semioticista Lúcia Santaella: “Os sentidos são dispositivos para a interação com o mundo externo que têm por função receber informação necessária à sobrevivência”. Além disso, argumenta citando idéias de Gibson, o qual, “não considera os diferentes sentidos como meros produtores de sensações visuais, táteis, sonoras, gustativas ou olfativas. Ao contrário, são mecanismos ativos de busca e seleção de informações. (...) Os órgãos dos sentidos produzem dois tipos diferentes, mas simultâneos de sensibilidade: de um lado, operam como receptores passivos que respondem cada qual à sua forma apropriada de energia. De outro lado, constituem-se em órgãos perceptivos ativos que formam sistemas de orientação, exploração, seleção, organização, investigação e extração.
Cabe destacar, conforme atesta Locke, em busca de definir a percepção, que “cada um saberá melhor o que é a percepção refletindo acerca do que ele mesmo faz, quando vê, ouve, sente ou pensa, do que mediante qualquer explicação”. Esse pressuposto ratifica a necessidade de tornar freqüente a poesia na escola (e fora dela): se é através da prática do emprego dos sentidos que se compreende, de fato, a percepção, viver a poesia é dever primário; haja vista o reconhecido valor da experiência perceptiva na construção do conhecimento, como explicitado.
Não bastasse o que já se enfatizou, outro motivo suficiente para destinar à poesia – e por extensão à percepção – o espaço realmente merecedor, está na constatação de que segundo ensina Olson, recorrendo a Descartes, “as idéias têm origem principalmente no próprio indivíduo, não no mundo”, porquanto, de acordo com as palavras deste, “as coisas que sinto e imagino talvez não sejam nada fora de mim e nelas mesmas. Tenho certeza de que essas formas de pensar, que denomino sentimentos e imaginações apenas na medida em que são formas de pensar, se encontram em mim”.
Por que ensinar poesia? Ora, está provado que o conhecimento não se dá apenas pela incorporação de elementos do mundo inteligível. Antes do ingresso a tal âmbito, faz-se, consciente ou inconscientemente, o mergulho nas vias do sensível. Dessa maneira, o acesso ao conhecimento (e também ao domínio da linguagem) é, em primeira escala, psicológico, o que mostra o peso da poesia no desenvolvimento da inteligência lingüística.
[continua...]
R A Z Õ E S para E N S I N A R
por Dílson Lages Monteiro
Confundida cotidianamente com atividade piegas, com exercício de sonhadores, com prática de gente ociosa, a poesia vai sendo negligenciada a um espaço obscuro, embora consista em elemento dos mais importantes para a ampliação da inteligência lingüística. Mas onde reside essa esquecida importância?
Em linhas gerais, o teor pedagógico da poesia se mostra nas palavras da professora Beatriz Citelli: “As experiências desenvolvidas, especialmente com a produção e recepção do texto literário, revelam que, ao vivenciarem modalidades discursivas polissêmicas, dotadas de signos menos referenciais, os alunos tendem a soltar a imaginação, descobrindo faces e possibilidades expressivas da palavra”. Por quê? Ora, “a subjetividade abre portas para a subjetividade”, como afirma David Olson em “O mundo no papel: as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita”.
Assim, o ensino de poesia impõe-se como necessidade à compreensão da subjetividade peculiar à linguagem, ensejando dentre vários benefícios “a produção do texto como uma forma de ação e interação social”. Ensinar poesia contribui a que o processo de escritura de textos desenhe-se funcional, reflexo do resgate profundo de experiências individuais (profundo, porque mediado pela emoção) e, fundamentalmente, da ativação dos sentidos, que deveriam adquirir conotação primeira no desenvolvimento do discurso escrito, tendo em vista ser ferramenta consistente para a elaboração do conhecimento.
As especulações de alguns filósofos ilustram bem o valor da poesia na elaboração/aquisição da linguagem e do conhecimento. Entendendo que a poesia, em primeira instância, compõe-se a partir da abundância de dados sensoriais é cabível redimensionar, por exemplo, o pensamento de Locke para este contexto. Ele argumenta que “a percepção é a primeira operação de todas as faculdades intelectuais e a entrada de todo conhecimento em nossas mentes”. Conseqüentemente, o exercício assíduo da leitura e escritura do poema, visto ser uma atividade por excelência sensorial alarga a percepção, facilitando, dessa maneira, a inter-ação com a linguagem e a produção de conhecimento novo.
Que o diga a semioticista Lúcia Santaella: “Os sentidos são dispositivos para a interação com o mundo externo que têm por função receber informação necessária à sobrevivência”. Além disso, argumenta citando idéias de Gibson, o qual, “não considera os diferentes sentidos como meros produtores de sensações visuais, táteis, sonoras, gustativas ou olfativas. Ao contrário, são mecanismos ativos de busca e seleção de informações. (...) Os órgãos dos sentidos produzem dois tipos diferentes, mas simultâneos de sensibilidade: de um lado, operam como receptores passivos que respondem cada qual à sua forma apropriada de energia. De outro lado, constituem-se em órgãos perceptivos ativos que formam sistemas de orientação, exploração, seleção, organização, investigação e extração.
Cabe destacar, conforme atesta Locke, em busca de definir a percepção, que “cada um saberá melhor o que é a percepção refletindo acerca do que ele mesmo faz, quando vê, ouve, sente ou pensa, do que mediante qualquer explicação”. Esse pressuposto ratifica a necessidade de tornar freqüente a poesia na escola (e fora dela): se é através da prática do emprego dos sentidos que se compreende, de fato, a percepção, viver a poesia é dever primário; haja vista o reconhecido valor da experiência perceptiva na construção do conhecimento, como explicitado.
Não bastasse o que já se enfatizou, outro motivo suficiente para destinar à poesia – e por extensão à percepção – o espaço realmente merecedor, está na constatação de que segundo ensina Olson, recorrendo a Descartes, “as idéias têm origem principalmente no próprio indivíduo, não no mundo”, porquanto, de acordo com as palavras deste, “as coisas que sinto e imagino talvez não sejam nada fora de mim e nelas mesmas. Tenho certeza de que essas formas de pensar, que denomino sentimentos e imaginações apenas na medida em que são formas de pensar, se encontram em mim”.
Por que ensinar poesia? Ora, está provado que o conhecimento não se dá apenas pela incorporação de elementos do mundo inteligível. Antes do ingresso a tal âmbito, faz-se, consciente ou inconscientemente, o mergulho nas vias do sensível. Dessa maneira, o acesso ao conhecimento (e também ao domínio da linguagem) é, em primeira escala, psicológico, o que mostra o peso da poesia no desenvolvimento da inteligência lingüística.
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