amálgama #3 - Ovídio Saraiva

- Publicado originalmente em amálgama #3, maio de 2002.






Ovídio Saraiva (1787-1852) não foi um poeta genial. No entanto, este Soneto XLIII é um belo poema que ilustra aquilo que muitos chamam de plasticidade poética. A imaginação descritiva de Ovídio Saraiva, neste poema, projeta um quadro em que as imagens de templo, corações, trono e sangue se fundem, reforçando a mais cara idéia que os poetas neoclássicos tinham do amor: a de uma força despótica contra a qual é inútil lutar.
Já o Soneto XLVII é um exemplo da transição da poesia neoclássica para a romântica. Observa-se o desprezo do poeta pelos bens materiais – atitude própria dos autores árcades – e o sofrimento e a morte – temas centrais no romantismo.


Soneto XLIII

Eis o templo de Amor: Amor se assenta
Num rubro trono; nos degraus sangrentos
Sobre mil corações, já sem alentos.
Seu tirano poder de bronze ostenta.

Magro ciúme rápido atormenta
Vivas entranhas com fatais tormentos;
A suspeita infernal, surda a lamentos,
Males, e males mais cruéis inventa.

De sangue rios mil cortam o Templo,
São mais os ais, são mais gemidos, brados,
Que as areias do mar, do Céu que estrelas.

Oh! feliz, Inocência, eu te contemplo:
Mísero amante, vê aqui teus fados;
Eis o templo de Amor, do Deus, que anelas.



Soneto XLVII

Não quero que a fortuna enganadora
Me ladeie de bens de alta valia;
Pois bem conheço que vir pode um dia,
Em que me roube os bens com mão traidora.

Não desejo, que a sorte aduladora
Me eleve ao trono da alta monarquia;
Pois que a História dos tempos me anuncia,
Que nem, ó Sólio, tens robusta escora.

Só quero que me dês, ó Céu tirano,
Trevosa furna, em que se albergue o susto;
Que assim me deixarás, ó Fado insano.

Porém não... é melhor, que o braço injusto
Da negra morte me despenhe ufano.
Lá onde, ó morte, tens o trono augusto.

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