amálgama #3 - Mário Faustino - Um poema panfletário



- Publicado originalmente em amálgama #3, maio de 2002.




por Elio Ferreira



Em 1954, Getúlio Vargas suicida-se. Esse acontecimento encerra a era Vargas. Os anos 50, 60 e 70 foram decisivos para a vida política da América Latina e do Brasil. Três fatos históricos marcaram o destino desses povos. Em 1959, a guerrilha popular cubana de esquerda derrota as forças e destitui o presidente Batista, governo de direita e apoiado pelos Estados Unidos. Fidel Castro, então chefe dos rebeldes, assume a Presidência de Cuba e instaura um governo comunista, inspirado nos modelos russo e chinês. No Brasil, em 1961, o presidente Jânio Quadros, eleito pela direita com grande maioria, renuncia. Apesar da resistência da burguesia e das forças conservadoras, o vice João Goulart assume o posto de Presidente. Em 1964, Jango é destituído pelo Golpe Militar de 31 de março. Nos anos 70, o governo socialista do Chile é também derribado por um golpe militar e o presidente Salvador Allende, que fora eleito pelo povo, é destituído, subindo ao poder o General Pinochet.

Essa agitação política vai afetar profundamente o cenário literário da Geração 60, com a atuação dos poetas participantes, publicados pelo CPC da UNE, com a poesia engajada, a vanguarda concretista dos anos 50/60, as páginas de Poesia-Experiência de 56 a 58, dirigida por Faustino. No final da década de 60, surge a Tropicália e na década de 70 a cena é roubada pelo grande fluxo de poesia marginal e pela “geração mimeógrafo”. É nesse clima cultural dos meados de 50 e início dos 60, que Mário Faustino aparece e se projeta nas nossas letras.

Segundo Benedito Nunes, o poema Fidel, Fidel, do livro Últimos Poemas, teria sido escrito durante a permanência do poeta piauiense em Nova Iorque, em 1960. “Do mesmo período procede o autógrafo 'Fidel', resposta imediata de Mário Faustino à tumultuosa sessão da Assembléia da ONU, em 1960, a que Fidel Castro compareceu, e que o autor, à época tradutor da organização internacional, pôde testemunhar” (NUNES, Benedito. In apresentação de Poesia Completa, 1985: 9-10). Nesse poema, escrito depois dos versos discursivos de O homem e sua hora, Mário Faustino já recebera, como assinala Augusto de Campos, “o influxo (benéfico, creio eu) da poesia concreta”. Diferente do tom solene, classicista do livro de estréia, o trovador se utiliza de palavras chulas, de expressões parodísticas, carnavalizantes e próximas do gosto popular, além do discurso panfletário,fato único em toda sua poesia. Fascinado pela altivez e inteligência do presidente cubano, o eu-lírico mitifica o líder revolucionário, tentando despertar a auto-estima do povo latino-americano.

Acerca da funcionalidade do poema, Mário assinala que “o poema precisa funcionar como qualquer outra coisa. E para que possa faze-lo, para que a poesia possa voltar a ser – como, sem dúvida, já o foi e potencialmente ainda o é – o mais eficaz, o mais perene, o mais exato dos meios de comunicação, é necessário, em suma, que o poema viva em função do tempo, do espaço e do homem – contra ou a favo, nunca indiferente” (1977: 38).

Os versos atingem um nível de sonoridade elevadíssimo. A metáfora é usada de forma ostensiva e contundente. O discurso antropofágico desarticula o mito do herói “Mártir” e pacifista, simbolizado na figura de Cristo. O duplo ou a correlação paralela entre palavras opostas culmina com a carnavalização: Fidel x Cristo, Fidel x Cruz, Fidel x Mártir. As anáforas ou a repetição ostensiva do substantivo Fidel criam uma linguagem carregada de sonoridade, evidenciando a melopéia. As metáforas projetam as imagens visuais na mente do leitor dando origem à fanopéia. A logopéia se consubstancia no jogo das idéias entre as palavras. Esta se acentua nos dois últimos versos do estribilho e nos três primeiros versos da parte 2 do poema, onde a musicalidade e as imagens são registradas de forma mais intensiva. Os sons silábicos predominantes são os metálicos, sugerindo a idéia de vozes se espalhando pelas terras das Américas e pelo mundo os feitos e as grandezas do mito Fidel Castro: “Fidel Mastro”, a imagem projeta a figura do homem e do revolucionário “inquebrável”, a voz premonitória abrindo caminho para a libertação da América Latina.

(Sujeito a alterações até o final do dia.)

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Elio Ferreira é poeta, capoeirista, professor de literatura,
mestre em Literatura Brasileira pela UFC
e doutor em Teoria da Literatura pela UFPE.




FIDEL, FIDEL

[Mário Faustino]

(1)
Mão invisível levanta a balança
O fiel se adianta –
O destino dos filhos da luta
Ergue-se mnjy76aos céus.
Mão invisível levanta a balança
O fiel avança –
O destino dos filhos da Puta
Desce aos infernos.

Estribilho: Fidel, Fidel, que tiene
fidel
Que los americanos no pueden
com el?
Fidel, Fidel, dales duro
Fidel, al muro!

(2)
Fidel Cristo? Não: Fidel Castro
Fidel Cruz? Nada: Castro Ruz
Fidel Mártir? Não: Fidel Mastro.

Atirar Castro ao mar como quem se alivia
Do próprio lastro?
Nada: Fidel nossa corça
Preciosa, Fidel Mastro
Inquebrável, Fidel Cedro
Apontando pro céu – Fidel Astro
Matutino, diurno, casto.

(parte final)



Manuscrito

As outras pérolas atiraremos
Aos porcos –
esta não
Esta, escorpião que morde o calcanhar
Do falso herói saxão –
Funde que fere a testa do mesquinho
Gigante setentrião
Est’áspide nós guardaremos junto
a nosso
cansado coração.

Oh Cuba, nosso cabo de tormentos,
Ninguém te dobrará,
Oh Cuba, hás de ser cova dos
sedentos

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