amálgama #1 - Não façamos feio


Ilustração de Gabriel Archanjo

Publicado originalmente em amálgama #1, janeiro de 2002




Por Sérgio Batista


Prezada maioria de nossos articulistas, confesso-vos que tolerei até onde me foi possível calar o desabafo. Entretanto, sinto não poder mais fazê-lo, apesar de o querer imensamente, no receio de ser mal interpretado e, conseqüentemente, malquerido. Entretanto, este grande amor à Literatura nunca me é gratuito: ou causa-me euforia diante do texto artístico ou completo furor, frente aos inqualificáveis escritos. Cometer a omissão de escrever sobre tais estados de espírito seria negar esse sentimento que me arrebata, instiga e compromete diante da arte literária. De qualquer modo, desejo deixar clara minha intenção com este manifesto: a de promover o desenvolvimento cultural de nossa gente, a partir de uma qualidade cada vez mais plausível dos textos jornalísticos, nada além.

Inicialmente, senhores, permitam-me vos lembrar que talento literário é coisa rara, e o papel do escritor, de fundamental importância. Proponho que nos respeitemos enquanto escritores – se é que somos, mas, sobretudo, na posição de comunicadores, formadores de opinião, respeitemos mais o leitor. Respeitemos seu amanhecer, seu pequeno e valioso tempo de que dispõe antes da árdua e penosa labuta; mas respeitemos, acima de tudo, sua inteligência e bom gosto. Tenhamos mais zelo quando estivermos diante do papel em branco. Sejamos mais solenes. Concebamos nossas linhas como uma sagrada escritura, certidão indestrutível de um sagrado casamento. Pensemos em nossa obra como uma aliança, um forte elo entre nós e o indispensável ser humano à frente das páginas: razão final de nosso escrever.

Portanto, o que sugerimos é que, à guisa de início, deixemos de lado determinados textos que só dizem respeito a nós mesmos ou à nossa tradicional e ilustríssima família. É preciso que nos toquemos para o fato de que Teresina se desenvolveu demasiadamente nos últimos 20 anos, deixando de ser um provinciano reduto de sobrenomes. Empreendimentos em diversos ramos foram implantados em nossa capital, atraindo gente de todas as partes do país. A verdade é que há muitas pessoas de fora residindo conosco, cultas, de formação e gosto apurados, totalmente desinteressadas em nossas apologias genealógicas. Assim, rogo-lhes que não façamos feio: deixemos de desenterrar defuntos, relembrar um passado que já não nos diz nada. Todavia, se tivermos de recorrer à História, que o façamos com criatividade, em tiradas inesperadas e oportunas, surpreendendo agradavelmente quem pagou para ler; isso mesmo, colegas!: respeitemos o dinheiro do leitor, o esforço para ganhá-lo.

Sob outro prisma, é importante observarmos que vários de nossos artigos funcionam notoriamente como verdadeiros tapa-buracos. Ora, se não temos com que preencher a coluna, existe saída: deixemos que o jornal publique os bons textos que estão à espera, mas não banalizemos nosso nobre ofício em nome do egoísmo. Lembremo-nos de que tudo escrito sem esforço é geralmente lido sem prazer. Sigamos as sábias recomendações de Rilke e de nosso saudoso Drummond: escrevamos somente por absoluta necessidade. Contudo, uma vez com a pena, sejamos caprichosos na escolha do tema: deve ser interessante, conveniente, oportuno. Ao leitor, já lhe bastam as demais notícias que necessita engolir por qualquer tipo de obrigação. De nós, ele não espera nem mais nem menos do que dois simultâneos brindes: entretenimento e instrução.

Tenhamos, outrossim, a devida cautela com a clareza, fluência, leveza e coesão textuais. Não devemos esquecer que estamos escrevendo para jornais, para pessoas com distintos níveis de conhecimento; e é exatamente nesse ponto que se encontra nosso mérito jornalístico: conseguir que inteligências tão heterogêneas leiam e apreciem nossos artigos. Para lográ-lo, não devemos, pois, abusar de linguagem técnica ou rebuscada, quase sempre cansativa. Se temos que versar sobre Direito, Economia ou similares, façamos de forma a mais simples e agradável possível, utilizando referências e associações de idéias que causem empatia ao leitor.

Aspecto diverso, para o qual devemos dar uma atenção especial, é a riqueza das informações; esta não pode nem deve ser desprezada. Para escrevermos com a necessária autoridade, precisamos ler e pesquisar exaustivamente, no intuito de passarmos dados atraentes, inéditos, com um enfoque inteligente e original. Todo escritor é, antes de tudo, um grande leitor. Estou absolutamente certo de que, caso estivesse ao meu lado, Samuel Johnson diria: “Aproveita, Sérgio, e acrescenta: ‘a maior parte do tempo de um escritor se passa em leitura, para depois escrever; uma pessoa revira metade de uma biblioteca para fazer um só livro’ ”.

Prestemo-nos também, de uma vez por todas, um último e grande favor: chega de erros primários de grafia, pontuação, concordância... Poupemo-nos disso, digníssimos professores de língua portuguesa, veteranos jornalistas, renomados advogados, meritíssimos juízes. Tenhamos, ao menos, a compostura de rendermo-nos a um bom revisor, um profissional competente. Observemos o senso do ridículo. Enfatizo, senhores: não façamos feio!

Por fim, uma última súplica: se alguns dos colegas possuem a rara consciência de que não são portadores da indispensável autocrítica, procurem expor seus trabalhos antes da publicação de fato. Seria mais sensato. Façam uma espécie de pré-estréia entre os seus; mais à busca de críticas edificantes do que de elogios que se precipitem no vazio. Exponham, porém, para quem entende de arte literária, ou, no mínimo, para quem não dispensa o bom português. Dessa maneira, evitarão o vexame; senão, algo muitíssimo pior: a indiferença.

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