Volte sempre

[Adriano Lobão Aragão]




Não sei há quanto tempo o senhor Inácio mantém sua mercearia naquela esquina. Parece vender sempre a mesma mercadoria desde o imemorável. Também não envelhece, ou já envelhecera demais antes, como precavido ao tempo. Não gostava de débitos e fiados.
Acompanha-o nesta tarde quente o Benedito, bebendo uma cervejinha no balcão. Ontem ou amanhã, a mesma cena. O mesmo modo lento de beber deixando a espuma nos bigodes. E é certa a hora de Aparício ter seu pedido negado. Quer abusar. Se nunca comparece com dinheiro, o que quer Aparício com fiados? Pague o devido primeiro.

Além de novo crédito, queria Aparício cigarros. Ou pelo menos um, só pra matar a vontade. Nem sorriso Inácio oferta. Se sabe que não tem condição de pagar, não deveria alimentar o vício, ponderava atrás do balcão. Prejudica a si e prejudica os outros. Há muito Inácio sente-se vacinado pela vida.

Benedito pede outra cerveja, depois entrega ao balcão seus trocados, o couro-de-rato que traz no bolso da bermuda, que não lhe dá margem ao abuso. Inácio agradece e coloca-se às ordens. Volte sempre.

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Junho 2002 / Junho 2008

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